

Mateus
larga o braço de Fernanda que assustada vai embora, enquanto Mateus também sai
resmungando, mas pela direção oposta. Manoel comenta com Iná a cena.
Manoel: Você viu aquele
cara? Pegando a menina pelo braço como se fosse uma mercadoria! Pena que ela
foi embora, pois estimularia ela a denunciar ele na delegacia da mulher, com
certeza deve ter deixado o braço dela roxo. Isso é agressão.
Iná: Nossa, você mudou
mesmo. Quando te conheci você seria igual a ele, tão metido quanto. Pelo jeito
você mudou mesmo.
Manoel: Eu vi algumas
coisas na minha profissão que me deixaram um pouco estarrecido.
Iná: "Estarre" o
que?
Manoel: Estarrecido.
Perplexo, admirado. Coisas realmente horríveis, inclusive cheguei a trabalhar
com mulheres vítimas de maridos violentos. Enfim, cenas bem lamentáveis.
Iná: Que bom que você se
humanizou. Queria ter conhecido você desse jeito, mas enfim, se o Destino quis
assim agora não adianta chorar pelo leite derramado.
Manoel: Eu só queria ter
sido menos trouxa na vida.
Iná: Nós dois fomos. Agora
temos que correr atrás do que é possível. Passado é passado.
Manoel: Você tem razão.
Mateus
chega irritado no hospital para trabalhar e é surpreendido por Bruno, diretor
de relações jurídicas do hospital:
Bruno: Mateus, você precisa
falar com a Lívia.
Mateus: O que aconteceu com
a minha esposa?
Bruno: Ela está fazendo uma
lista enorme com pessoas que nasceram no mesmo dia em que ela nasceu e ela quer
ligar para todas as famílias. O problema é que se isso vazar pode pegar mal pra
imagem do hospital.
Mateus: Eu não acredito que
ela está chegando neste nível. Pode deixar que eu vou falar com ela. Antes
disso, só mais uma coisa, conseguiu preencher aquela vaga de assistente que
você precisava?
Bruno: Tinha conseguido,
mas o piá que ia trabalhar comigo conseguiu um emprego melhor e não assumiu a
vaga. Pensei em chamar a segunda colocada na entrevista, mas ela também já
conseguiu um emprego. Estou sem opções e vou abrir um novo processo.
Mateus: Não abra. Talvez eu
consiga resolver este problema. Bom, vou lá falar com a Lívia.
Mateus
passa correndo pelo corredor da ala administrativa e adentra a porta da sala de
Lívia.
Lívia: Oi, meu amor. Deixa
eu te mostrar uma coisa...
Mateus: Lívia, o que você
acha que está fazendo?
Lívia: Por que esta grosseria,
Mateus?
Mateus: Você acha que é
assim que se faz? Pega e sai por aí ligando para as famílias?
Lívia: Mateus, você não
entende, eu...
Mateus
interrompe.
Mateus: Eu entendo que você
quer passar a noção de que neste hospital a incompetência rola solta. É isso?
Pensa bem, olha o escândalo! A própria dona do hospital foi vítima da
incompetência. Por que se não conseguirmos chegar de maneira direta em quem te
abandonou aqui é isso que vai dar a impressão.
Lívia: Você acha?
Mateus: Tenho certeza.
Amor, vamos fazer o seguinte: faça a sua lista e aí vamos pesquisar por conta,
mas sem ligar para as pessoas. Tudo bem? Pode ser assim?
Lívia: Pode ser. Na verdade
eu estou pensando em tirar uma semana de férias longe daqui.
Mateus: Eu acho ótimo. Você
está gravida. Precisa repousar. Olha, eu cuido de tudo por aqui e quando você
voltar a gente começa juntos, pode ser? Você acabou de se formar em Medicina e
acabou de perder a sua mãe. Você está exausta. Acho que você deveria ficar ao
menos dez dias fora.
Lívia: Sabe, Mateus. Você
tem razão. Acho que vou ficar um tempo na casa da minha prima em Buenos Aires.
Mateus: Isso. Vai te fazer
bem. Tudo pela sua saúde e do nosso filho.
Lívia
é convencida por Mateus a passar um tempo fora de Curitiba, o que lhe deixou
muito confortável para fazer toda a pesquisa sozinho e poder evitar o encontro
dela com seus verdadeiros pais.
Enquanto
isso, o ambiente na casa de Manoel não era nada agradável e o jantar era algo
torturante para este homem que havia mudado tanto nos últimos vinte e quatro
anos.
Bárbara: Manoel, eu estava
planejando as férias deste ano com a Ellen e queríamos saber o que você nos
sugeriria.
Manoel: Não sei, vocês
podem escolher qualquer lugar. Eu não vou viajar este ano.
Bárbara: Não vai por que?
Manoel: Por que não quero,
Bárbara.
Bárbara: Ultimamente você
tem ficado bem insuportável.
Manoel: E você sempre foi.
E eu não vou passar férias com você. Ano passado você deu chilique no metrô de
Nova Iorque. Me fez passar a maior vergonha.
Bárbara: A culpa não é
minha! Aquele homem esbarrou em mim e eu pensei que ia ser assaltada.
Manoel: Você só fez barraco
por que ele era negro, Bárbara! Da mesma maneira que você em 2010 reclamou do
professor de Matemática da Ellen na escola só porque ele era gay.
Bárbara: Não era isso, ele
estava querendo fazer apologia à viadagem para alunos tão novos!
Manoel: E qual é a sua
justificativa para ter arranjado confusão com os vizinhos quando eles se
mudaram pra cá ano retrasado?
Bárbara: Eles faziam muito
barulho com aquela música horrenda.
Manoel: Horrenda por que
era ruim ou por que você não gosta de pagode? Ou melhor, por que não gosta de
ver que tem gente que pode crescer na vida e acabar dividindo muro com você?
Bárbara: Eles ouviam música
muito alta, você sabe disso!
Manoel: A gente vivia ouvindo
rock dos anos 80 e 90 no último nesta casa e você nunca se importou.
Bárbara: É diferente.
Manoel: Diferente...sei...
Bárbara: Claro que é.
Manoel: Bárbara, admita que
você é racista, classista, homofóbica e tudo de ruim que eu posso citar. Que você
afugentou a maioria dos amigos da Ellen com esse seu jeito estúpido.
Bárbara: Você se casou
comigo sabendo como eu era, não sei o porquê da surpresa.
Manoel: EU MUDEI, BÁRBARA!
AS PESSOAS MUDAM! SÓ VOCÊ SE COMPORTA COMO SE AINDA TIVESSE VINTE E POUCOS ANOS
(diz Manoel gritando).
Bárbara: Não grita comigo,
pois eu não sou uma qualquer. Você me respeita, Manoel!
Ellen: Parem os dois de
gritar, por favor! (sendo ignorada pelos pais)
Manoel: Então você passe a
respeitar os outros! Eu não aguento mais ouvir e ver tanta futilidade de você.
Será que não é possível nada de bom sair de dentro de você?
Bárbara: Eu pensei que
quando a dona Odete morreu tinha sido a fase mais chata da sua vida, mas parece
que você está pior hoje.
Manoel: Não fala daquela
desgraçada!
Neste
momento Bárbara fica chocada com a maneira como Manoel se referiu à Odete e olhou
fixamente para Manoel que abaixa a cabeça e sai da mesa de jantar.
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