Encontros - Cp13 (Últimas Semanas)


Capítulo XIII

O Despertar De Um Homem
(The Boy’s Life – 1993 – Dir.: Michael Caton-Jones)


            A surpresa de Tom era compreensível, porém eu não tinha muito tempo para explicar. Precisava voltar ao trabalho, mas a cara dele me fez rir.
- O que foi Tom? Fiquei fora um dia apenas e você já se mudou para meu apartamento? –perguntei sorrindo.
- Cara, você não ficou fora! Você sumiu... E agora aparece assim... Nossa, o que aconteceu? Aliens te abduziram? O que está acontecendo?
- Olha Tom, eu realmente cansei de tudo o que estava acontecendo comigo. Cansei de usar terno e gravata e ser o cara certinho e bonzinho. Precisei sair sem falar nada á ninguém. Fui fazer as pazes com minha mãe. Me libertei de André, faltava pedir perdão á ela por ter escondido minha sexualidade e enganado eles, dado falsas esperanças. Depois que eu e ela conversamos e nos acertamos. Eu fui ás compras! Havia guardado dinheiro para emergências numa caixa e resolvi que essa era uma emergência: o Frank antigo morreu, ficou eu no lugar!
- Precisava sumir? E por favo, não me diga que você vai começar á falar “bofe” e outras gírias e rebolar quando caminha... – disse Tom, já mais descontraído.
- Sim, precisava sumir. E não, não vou fazer isso. Existem diferentes tipos de gays, assim como exitem diferentes tipos de homens e mulheres. Se sentisse necessidade de fazer essas coisas, eu as faria se me fizessem felizes. Mas não, minha necessidade era poder usar as roupas que quero, pintar meu cabelo, usar tênis e não sapatos, e não ter medo que todos notem que sou gay, embora até um cego notasse antes, mas eu tinha medo. Agora não mais.

            Conversamos um pouco mais enquanto eu tomava um café e matava a saudade de Dexter. Me despedi e fui ao trabalho, com uma camisa rosa, sem gravata, cabelo com luzes, espetado, um tênis laranja que eu amei, e uma calça que pra tirar eu acho que terei que cortar, de tão colada que ficou. As duplas sertanejas ficariam com inveja! Lia quase surtou e após explicar tudo pra cada um, foi a vez deles me contarem as novidades. Assim, tudo estava voltando ao normal, até meu chefe me chamar.
- Você não veio ontem, e deixou todos preocupados. O dia não rendeu nada!
- Sinto muito, pode descontar do meu salário, mas isso não vai se repetir. Recebi proposta de outra empresa e vou ganhar bem mais. Gosto de trabalhar aqui porque todos são meus amigos, mas você não vai me chamar á atenção por ter faltado um dia. O pessoal do TI são turistas aqui na empresa e ninguém fala nada. Eu falto um dia e veio aqui levar bronca. O Senhor sabe que sou um ótimo funcionário, então é o seguinte: aumente meu salário em 10%, desconte minha falta, não ouse falar da minha roupa, e eu continuo aqui. Preciso da resposta agora, porque os outros estão loucos por mim. E aí?
            Consegui o aumento e o respeito do meu chefe. Além é claro de quebrar aquela velha regra do “terno e gravata”. Em poucos dias outros começaram á ir com roupas mais confortáveis, mais casuais, e trabalhavam mais descontraídos.

            Alguns dias após a conversa com Donnie e Gerson, Joane chamou os dois para jantar e resolveu a situação. Iria aceitar as condições, porque amava Donnie e seria capaz de perdoar Gerson com o tempo, desde que esse prometesse nunca mais tentar nada com ela além da amizade. Chorando de emoção, Gerson prometeu, e ajoelhando-se, beijou a barriga já saliente de Joanne. Foi uma cena bonita. Incomum, mas bonita. Tão incomum quanto o que estava acontecendo com Gina e Rebeca. As duas se tornaram confidentes, amigas inseparáveis e logo descobriram que a amizade estava ultrapassando uma linha tênue, que ia além. Numa noite elas não se renderam, e se amaram. Sem pensar duas vezes, assumiram sua paixão e decidiram morar juntas. Steve ficou inconsolável ao saber que sua filha seria criada por duas mães, e ele ficaria de fora. Ele tinha tudo, agora estava sem nada. Ele que trocava de parceiras como objetos, agora fora trocado por uma mulher. Isso feriu seu orgulho e o fez entrar em uma depressão profunda.
            Numa manhã, Vera atendeu a porta e encontrou Tiago e Beatriz. Tiago chorou ao saber de tudo sobre seu pai e sua mãe, e chorando pediu para Vera ajudá-los. Eles queriam ficar, mas o que Tiago pagou para o traficante não fora o suficiente, e eles ainda corriam risco de vida. Liliam havia deixado uma boa quantia para os filhos com a venda da casa e outras economias, então Vera teve uma ideia:
- Ok, quanto você ainda deve para esse seu “fornecedor”? Vamos pagar ele com a sua parte da herança de mamãe. Enquanto isso vocês vão vivendo aqui, e até minha morte eu não quero nem um sinal de drogas na minha casa ou em vocês. Se eu sentir que vocês voltaram a usar, eu mando pro olho da rua sem piedade!

            Tiago e Beatriz concordaram. Depois do susto e tristeza de perder o filho, eles queriam mesmo recomeçar. Foram de encontro ao traficante, mas foi Vera quem desceu. Eles ficaram no carro enquanto ela pagava o homem.
- Seguinte cara: eu não tenho mais o que perder. Tenho um câncer e posso morrer á qualquer momento. Mas se você ou algum dos seus “empregados” chegarem perto de meu irmão, vocês vão sofrer as consequências. Entrego esse local, mas antes venho aqui pessoalmente te matar! Você me entendeu?
- Você está me ameaçando? – perguntou o traficante – Gostei! Você é uma mulher de coragem. Não se preocupe, depois que as dívidas são pagas, os clientes são deixado em paz, mas diga á ele para ficar longe dos meus também.
- Fica tranquilo. Se isso acontecer, quem eu matarei será ele. – disse Vera saindo do local.
            Depois do trabalho Lia tinha um encontro com sua tia Neusa e Robert. Iriam resolver o negócio com o espírito de Elisa. Assim que começaram, ela se mostrou presente e falou através de Dona Neusa. Robert chorou todo o momento, e explicou tudo o que se passava na mente dele no momento do acidente e o quanto ele se arrependia, e o quanto se culpa até hoje pela morte dela. O espírito pareceu mais tranquilo, e Dona Neusa aproveitou para encaminhar Elisa para ser tratada em alguma colônia espiritual, como ela chamava. Tudo ocorreu bem. Elisa entendeu, perdoou e foi embora, nunca mais interferindo na vida do casal. Agora, ela queria ser feliz e desejava o mesmo para Robert e Lia. E assim ela partiu, para sempre.

            Enquanto isso eu e Tom colocávamos os assunto em dia. Ele me falou de André, eu falei da minha viagem e do trabalho. Desde que voltei não tivemos tempo de conversar.
- E seu novo visual arrasou no trabalho? – perguntou.
- Bastante! Na verdade nunca houve regras para que roupas usar. As pessoas se vestiam iguais porque antes delas todas se vestiam assim, como acontece com a maioria das coisas hoje em dia. Alguém precisava mudar isso, e fico feliz que tenha sido eu!
- Eu também terei que mudar – disse meio triste – Terei que ir para um lugar menor. O estúdio não está dando para me manter. As modelos estão mais interessadas em transar com os agentes para ganharem um desfile do que lutar pelos meios tradicionais.
- Como sempre, o sexo usado como moeda de troca. Sabe, amo sexo, mas nunca vou entender esse vício que as pessoas tem por isso! É como uma droga.
- É, realmente as pessoas usam o sexo para suprir carências, “prenderem” o parceiro, não se importam tanto com o sentimento, mas com o prazer, a sensação de ter alguém, e não de ser amado por alguém. Se transformam num pedaço de carne ambulante. – opinou Tom.
            Na verdade, eu havia me apegado a Tom de um jeito quase fraternal. Donnie e Robert eram atrações físicas, possíveis pretendentes, mas Tom não. Tom é aquele tipo de amigo que você quer que esteja ao seu lado sem segundas intenções. Estávamos falando do tratamento dele quando Lia e Robert chegaram alegres, contando o encontro com Neusa. Resolvemos fazer um jantar para celebrar, e Robert surpreendeu á todos pedindo Lia em casamento.
- Aproveita maluca, porque ninguém mais vai te querer! – disse Tom.
- Obrigado Narciso! Mas não sou eu quem dorme toda noite sozinha. – respondeu rindo.


            Até Lia e Tom pareciam estar mais amigáveis. Isso me deixava feliz. Gosto que meus amigos se deem bem entre si. Fico profundamente chateado por Steve ter se afastado tanto. É o único que não se tem notícia. Sabemos que Gina e Rebeca estão felizes juntas, que Fred está apaixonado pela nova funcionária da limpeza, Mila, substituta de Gerson. Joane, Donnie e Gerson se acertaram e estão felizes morando juntos. Vera está respondendo bem ao tratamento e tem tido muito ajuda de Tiago e Beatriz, que estão limpos. Beatriz voltou á estudar e Tiago conseguiu um emprego na nossa fábrica, ocupando o lugar de Vera. Esses foram os assuntos da noite, entre muitas cervejas e risadas até alguém bater na porta. Era o meu apartamento, mas sem pensar Tom levantou e atendeu. Era André, com flores nas mãos.


          * Sexta as emoções continuam com a volta de Frank, nas últimas semanas de Encontros.



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