Estranhos Em Casa (2019)
Por Patrick Lima Prade.
Estranhos Em Casa (Furie, 2019) foi lançado em abril de 2020 na Netflix apesar de já ter marcado presença em vários festivais, principalmente na França, seu país de origem, onde o diretor Olivier Abbou (Territórios e Madame Hollywood) foi indicado como melhor diretor em alguns festivais independentes de filmes fantásticos. Com a premissa de ser ‘inspirado em fatos reais’ o filme começa muito bem, como se fossemos ver um drama de batalha judicial pela propriedade da casa, depois o filme muda para uma crescente tensão entre o casal e suas diferenças, algumas amizades mal intencionadas, e passamos para o suspense, onde o filme fica um pouco fraco, mas se recupera no final, partindo diretamente para o terror explícito e violento, com toques que lembram bastante o cultuado Sob o Domínio Do Medo (1971) dirigido pelo mestre Sam Peckinpah. Porém até esse ponto alto do filme, muitas perguntas ficam sem respostas e o público pode achar a trama estranha, com alguns toques de surrealismo, exagerando nos tons vermelhos, dando um ar psicodélico em algumas cenas, o que fica difícil acreditar que a história real que o filme se baseia tenha chegado ao ponto em que o filme chegou. Não achei nada relacionado á história, nem uma notícia, embora nomes tenham sido alterados, é estranho não ter registro de algo assim na internet. Houve um caso semelhante em Ribeirão Preto, em 2017, onde uma família voltou pra casa depois de três meses e novos moradores estavam lá, mas o caso não chegou aos trágicos eventos do filme.
Estranhos Em Casa foi feito na mesma época em que Parasita (2019) ganhou o mundo e o Oscar, e que Nós (2019) se destacou nos cinemas. A comparação com os dois filmes vem sendo muito comum, porém nada tem de semelhantes. Enquanto Parasita aposta mais na inveja e ambição, Nós já parte pro terror e ficção ao falar dos ‘duplos’, pessoas iguais que tomam os lugares das outras. Estranhos Em Casa já aposta na necessidade, na má fé das pessoas e na violência que atinge os seres humanos, seja a psicológica ou a física.
O Filme
Paul (Adama Niane) e Chloé (Stéphane Caillard) estão voltando de férias com o filho em seu trailer depois de um tempo. A casa ficou sob os cuidados da babá, Sabrina (Marie Bourin), e do marido dela, Eric. Imigrantes, eles foram despejados e não tinham para onde ir, então Paul fez um contrato para eles residirem na casa durante as férias da família. Quando chegaram, o controle do portão não funciona e a fechadura do mesmo foi trocada. Resolvem então chamar por Sabrina e Eric e pular o portão, mas são abordados por policiais que Eric chamou e levados á delegacia por invasão de propriedade. Descobrem então que sua casa não pertence mais á eles, e sim a nova família, graças á um documento falsificado. Com as contas pagas e tudo em ordem, os invasores não podem ser despejados e começa a corrida aos advogados e burocracias. Enquanto isso Paul e Chloé moram no trailer em um estacionamento para motor homes. Meses se passam e o tribunal só adia a decisão, enquanto Paul faz amizade com Mickey (Paul Hamy), responsável pelo estacionamento e ex-colega de Chloé. A tensão entre o casal cresce quando Mickey começa a questionar quem é o homem da casa, já que Paul tem um forte complexo de inferioridade por sua raça: ele é negro, e sua esposa branca. Chloé já traiu Paul no passado e ele á perdoou, mas fica nítido que o clima entre os dois é uma bomba relógio, e ficar sem um lar contribui ainda mais para a discórdia. Mickey, o vizinho, tem amigos violentos e extremistas: espancam negros que se metem em suas festas, mas com Paul isso não acontece, o que o deixa ainda mais transtornado, pois foi chamado de Oreo, que significa que ele é ‘branco por dentro'. Com Mickey alimentando seu ódio, Paul realmente chega a gostar de sua vida e sua liberdade com a gangue do amigo, o que faz Chloé ir embora com o filho para a casa de uma colega. Junto dos novos amigos Paul volta á se sentir ‘homem’, e não apenas um provedor para a esposa, que tem muito mais iniciativa que ele. Passando esses atritos, Chloé vai visitar o marido no trailer na noite em que ele se desentende com Mickey, e então começa a reação em cadeia que vai transformar a vida de todos os envolvidos num verdadeiro inferno.
O Terror Toma Conta
Paul é professor de história, um cara pacato e averso á violência, mas no momento em que sai do estacionamento de trailers, ele resolve deixar de ser vítima e decide agir: invade o pátio de sua casa pelos fundos com o trailer e a esposa. Eric e Sabrina decidem deixar assim, desde que os dois não se aproximem da casa. Em uma conversa com Mickey, quando ainda eram amigos, eles discutiam o passado da humanidade, quando o homem era selvagem e o quanto isso mudou, com Mickey afirmando que ainda existem homens selvagens nos dias de hoje. Era uma premissa para o que veríamos nos minutos finais do filme. Mickey e seus amigos ‘selvagens’ também resolvem invadir a casa de Paul para expulsarem o casal invasor. Chegando pela frente, com máscaras de porcos mortos, e armados, Paul já imagina o que vai acontecer, e ele e Chloé correm ao auxílio de Sabrina, que está grávida, e Eric. Nessa parte que as coisas saem do controle de todos e entramos na atmosfera do citado Sob o Domínio Do Medo (1971). Os dois casais dentro de casa tentando impedir uma invasão por parte dos bandidos. Deste momento em diante não vou entregar os acontecimentos, mas estejam preparados para torturas, espancamento, sufocamento e todo tipo de selvageria que o homem é capaz. A briga agora não é pela casa, mas pela suas vidas, que valem mais, o que transforma a inércia de Paul em uma explosão de fúria semelhante ao dos ex-amigos que agora querem entrar na casa, porém em menor número, os dois casais terão que usar muita força para se manter vivo. Depois disso o filme pula para seu final sem alguma explicação sobre o que aconteceu depois da noite infernal, o que nos leva á duvidar ainda mais das veracidades dos fatos. Geralmente filmes baseados em fatos reais dão alguma explicação sobre o que aconteceu aos personagens em textos na tela, o que não acontece em Estranhos Em Casa. Ao contrário, os créditos finais são intercalados por uma cena desnecessária que nada acrescenta ao filme.
Informações
O diretor Olivier Abbou parece gostar desses finais em abertos e sem explicações detalhadas, como fez com Territórios, um de seus filmes anteriores que também explora a maldade humana de uma das formas mais tensas que já vi em filmes, e que também nada explica. O diretor tem uma boa mão para filmes de terror e violência extrema, tomara que não se deixe influenciar por Hollywood e vá para outras vias mais rentáveis. Outro ponto que observei nos trabalhos anteriores do diretor é diálogos filosóficos para reflexão, algo raro em filmes de terror e suspense. Em Estranhos Em Casa, por exemplo, ele levanta a questão do motivo de acontecerem atualmente mais mortes por suicídio do que por homicídio, algo real e preocupante. O restante do elenco não deixa á desejar: Adama Niane (da série A Louva-a-deus) como um confuso pai de família passa a imagem de alguém perdido em suas próprias idéias e que não sabe que decisão tomar nem na hora de se vestir, até a postura ao caminhar deixa isso evidente. Algo que muda quando seus ‘amigos’ começam á influenciar a cabeça dele, o que nos deixa a pergunta: é melhor ser calmo e passivo ou se deixar levar pelos instintos animais herdados pelos nossos ancestrais? Qual dos dois Paul era melhor? Só quem assistir ao filme pode decidir, e essa decisão difere de pessoa para pessoa. Stéphane Caillard (da série francesa Guerra Dos Mundos e do filme Atentados em Paris) é o oposto com sua Chloé, ela age e toma as decisões, embora ninguém esteja preparado na vida para os acontecimentos finais, que se destacam pela interpretação de Paul Hamy (O Ornitólogo, Meu Rei e Encontros), que faz um vilão desagradável e que causa desconforto em cada cena.
Enfim, Estranhos Em Casa é um filme que vale á pena ser assistido, sem as crianças na sala, e que além de divertir, nos faz refletir sobre nossos atos diante de coisas inesperadas. Ainda somos, no fundo, animais irracionais ou já passamos dessa fase evolutiva?
Direção: Olivier Abbou.
Elenco: Adama Niane, Stéphane Caillard, Paul Hamy, Hubert Delattre, Marie Bourin.
Trailer:
Legendado: https://www.youtube.com/watch?v=PpeGI7cF8gQ
Texto originalmente publicado no Jornal Do Povo no link:
https://www.jornaldopovo.com.br/site/blogs/573/305649/Estranhos_em_casa_2019.html
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