CENA 01. BAR [INT./DIA].
Abre a cena. Visão ampla de um bar pequeno com paredes tingidas de um verde gastado e infiltrações, que ganham mais destaque com a luz do sol adentrando no local cheio de homens acompanhados de uma mesa de madeira e um tira gosto pra matar a sede. Focaliza em uma das mesas, rodeada por senhores pais de família. Jogam baralho e aparentam nervosismo. O suor pingando. Apenas dois jogam e se entreolham, a fim de adivinhar a próxima jogada do outro.
ANTÔNIO- (Jogando as cartas na mesa/Revela jogo vencido) Bati!
Todos da mesa comemoram, exceto JOSÉ, que lamenta sua perda.
JOSÉ- Quero outra rodada!
ANTÔNIO- De jeito nenhum!
JOSÉ- Isso, para mim, me parece arrego. Agora me responda, ô senhor Antônio, arranca pedaço se tentar mais uma vez?
ANTÔNIO- Pois bem. O amigo já não tem nada para apostar, tá devendo até as “carne” dos “beiço”. Acredito que só “havera” de ter um bem precioso para pôr a mesa.
JOSÉ- Pois então me diga qual que eu boto!
ANTÔNIO- Oxente, sua filha!
JOSÉ- Mas ela nem nasceu ainda.
ANTÔNIO- Aí é que está. Como todos dessa cidade sabem, minha senhora espera um filho também. Macho! Só jogo com a condição que quando os dois completarem 20 anos, se casarem. De papel assinado e tudo!
JOSÉ- (Coça a cabeça) Rapaz… E não tem como ser outra coisa não?
ANTÔNIO- Só aceito isso.
JOSÉ- Eita cá peste! A patroa lá não vai gostar nada disso. Mas “vâmo” lá, eu sinto que dessa vez eu vou ganhar.
= = CORTE DESCONTÍNUO = =
ANTÔNIO- (Cartas à mesa) Bati!
JOSÉ- (Apavorado) ÊÊÊÊÊÊ…!
CENA 02. SÍTIO- QUARTO [INT./NOITE]
Noite chuvosa. Trovoadas e relâmpagos. Gritos de uma mulher em pleno parto. Encontra-se uma parteira, a mulher, STELLA e José, que acaba de adentrar correndo. Stella grita ainda mais, soada e com panos frios na cabeça.
PARTEIRA- “Vamo fia”. Põe para fora!
STELLA- (Ofegante) Eu não agüento mais! AI!
JOSÉ- Ande meu amor. Nossa filha tem que nascer se não eu tô lascado. Perdi o jogo, a vida eu não quero perder de jeito maneira.
Stella, imediatamente aperta sua mão com força e grita de dor.
STELLA- Que jogo, José? O que é que cê aprontou?!
JOSÉ- É que amor…/
STELLA- Homem desembucha!
JOSÉ- Eu apostei a nossa filha, Maria num jogo de cartas… E perdi.
Trovão. Stella aperta a mão de José e grita. Fazendo força.
STELLA- Te mato, José!!!
Choro de bebê. E Maria nasceu. Stella respira aliviada.
Tocando JEITO DE MATO- Paulo Fernandes.
Takes da pequena cidade de Pedra Fora, em Minas Gerais.
LETREIRO: 19 Anos Depois…
CENA 03. SÍTIO- SALA [INT./ DIA].
José, Stella, Antônio e BEATRIZ encontram-se sentados no sofá, tomam café e conversam sobre o casamento de seus respectivos filhos, MARIA e ALUÍSIO.
STELLA- O casamento de Maria tem que ser tudo do bom e do melhor, que minha filha merece. Tanto é que eu mesma estou fazendo o vestido dela à mão. Renda por renda.
BEATRIZ- O terno de Ferdinando vem lá da cidade grande. Diz que havera de ter mais de 500 fios. Uma beleza só.
JOSÉ- Ah, mais na festa não pode faltar é um tira gosto! Aquelas bem brava!
ANTÔNIO- E pião lançando boi para dar aquele divertimento ás pessoas.
STELLA- Água mineral ou da bica pra você, seu José! Esqueceu o problema do coração, homem?
JOSÉ- Mas mulher…/
STELLA- Sem mais nem meio mais. José.
BEATRIZ- E boi só na casa da mãe que isso aqui não é circo, seu Antônio.
ANTÔNIO- Minha castanha do Pará, eu/
BEATRIZ- Antônio, você não me seque, Antônio, você não me seque.
ANTÔNIO- Sim senhora.
JOSÉ- O importante é que nossos filhos se dão bem, não é mesmo?
STELLA- Aliás, onde é que estão Maria e Ferdinando?
CENA 04. CACHOERIA [EXT./ DIA]
A música AO AR LIVRE- MANU GAVASSI é tocada.
Maria e Ferdinando brincam na cachoeira. Eles jogam água um no outro. Sentam-se nas pedras.
MARIA- E pensar que nosso casamento é amanhã. Ferdinando, eu não quero me casar.
FERDINANDO- Voth, nem eu, Maria.
MARIA- Escuta você nunca teve um sonho, não? Algo que te fizesse parar tudo e sair correndo atrás dele?
FERDINANDO- Claro que eu tenho! Todo mundo tem um sonho.
MARIA- Pois então, abestado?
FERDINANDO- Se meu pai descobre que eu não gosto de mulher, ele me capa, Maria. Você sabe. O velho é tinhoso como o cão.
MARIA- Mas se nem eu nem tu queremos o casamento, o que nos obriga?
Maria tira de dentro da bolsa que estava junto com as roupas na pedra uma folha rasgada de uma revista. A foto do cantor famoso RODRIGO ALARISSE.
MARIA- Esse é meu sonho… Ir para o Rio De Janeiro e conhecer ele (Sorri/Encantada). Acho que desde sempre. E a minha vontade é tão grande, mas tão grande, que nada, nem a fúria dos nossos pais me mete medo.
Ferdinando tira de dentro da mochila um croquí que ele mesmo desenhou.
FERDINANDO- Oxe. Ser estilista sempre foi meu sonho. Ganhar o mundo…
Maria levanta-se.
MARIA- Pois não caso!
Ferdinando levanta-se.
FERDINANDO- Pois não casa! Agora case… Eu tenho um plano.
Os dois riem.
CENA 05. CLUBE [INT./DIA]
LETREIRO: RIO DE JANEIRO.
E um flash de câmera revela DOMINIQUE, posando para um ensaio fotográfico. LUQUE, manda parar.
LUQUE- Pausa para descanso. 05 minutinhos. Dominique temos que fazer o nosso melhor. O concurso que vai levar a Divus para o Victoria Secrets se aproxima.
DOMINIQUE- Mas como você sabe que a sua marca de roupas vai ser sorteada? Sensacionalismo, Luque? Toma cuidado, heim?
LUQUE- Muito engraçadinha. Você devia torcer para que isso se torne real, se a Divus for sorteada e conseguir vencer o concurso New Stylish, você que vai ser a Face que nos representará no Victoria. Querida.
TADEU vem andando com uma bandeja em mãos, carregando um copo de suco de laranja, atrapalhado. Ele chega perto de Dominique e tropeça, derrubando o suco nela.
DOMINIQUE- Ficou maluco? Seu incompetente. Olha o que você fez.
TADEU- Desculpa Dominique… Nossa você fica ainda mais bonita com raiva.
DOMINIQUE- Me deixa! Sai daqui!
Dominique empurra Tadeu, que cai na piscina.
DOMINIQUE- Carrapato. Será que esse garoto nunca vai me deixar em paz?
LUQUE- Ai, Dominique. Você também, heim? Custava dar uma chance para o rapaz, que corre atrás de você desde criança que eu sei?
DOMINIQUE- Custava. Custa na verdade, custa muito e ele não vai poder pagar. Você acha mesmo que eu vou namorar um pobretão como esses e passar a vida toda bancando a Amélia do lar, esquentando a barriga no fogão?
Tadeu ia saindo da piscina, quando Dominique se volta para ele.
DOMINIQUE- Olha para mim! Você acha mesmo que tem alguma chance? Existe uma grande distância entre nós dois! Aprende. Você é pobre! Vai procurar alguém da sua classe social e me esquece!
Outro garçom ia passando com um suco em mãos, ela o pega e derrama em Tadeu.
DOMINIQUE- Homem mesmo só o Rodrigo! Vaza!
Todos olham a humilhação que Tadeu passou. Dominique ri, convencida. Tadeu, envergonhado, olha para os lados e sai.
LUQUE- Você exagerou dessa vez. Passou dos limites. Eu só queria ver você apaixonada por ele.
DOMINIQUE- (Ri) Isso nunca vai acontecer, né? O Rodrigo já deve ter chegado do show. Vou ligar para ele.
Dominique morde os lábios, sorridente.
CENA 06. CLUBE- COZINHA. [INT./DIA]
NÁDIA está com um tom alterado, discutindo com Tadeu, que se encontra ainda molhado, com uma toalha joga nos ombros, encolhido.
NÁDIA- Mas você é muito trouxa mesmo, heim? Essa nojenta te esculacha, te faz de pano de chão e você ainda corre atrás dela. Impressionante.
TADEU- Ela vai perceber que eu sou o grande amor da vida dela. É só uma questão de tempo.
NÁDIA- De dinheiro, você quis dizer. Tadeu, como amiga, olha… Encontra outra garota para amar, essa daí não vale o salto que usa! Quando você vai cair na real e entender que ela nunca vai trocar o Rodrigo Alarisse para ficar com você. O cara é rico, famoso, bonito, cantor… E você, Tadeu? Você é o que? Pobre de profissão e garçom nas horas vagas?
Nádia segura o ombro de Tadeu.
NÁDIA- Gente como a gente não se mistura com gente como eles, não.
Tadeu, quase chorando e inconformado, aumenta o rádio e levanta-se.
TADEU- Como não? Se a música que esse tal de Rodrigo Alarisse canta é minha? Eu compus!
NÁDIA- E vendeu. Não é mais sua. Ninguém sabe que você compôs e ninguém nunca vai saber. E você também não pode contar.
TADEU- Você não sabe o quão difícil é ver a minha música tocando nas rádios, fazendo sucesso na voz de outro cantor. A música que eu fiz para ela. Para a Dominique. Eu só queria que alguém me desse uma chance! Ou será que só sirvo para compor?
NÁDIA- É claro que não. Você canta muito, mas do que esse Rodrigo até. É a vida como ela é, injusta como ninguém.
Nádia volta a lavar a louça. Tadeu permanece pensativo.
NÁDIA- Bora trabalhar?
Nádia sorri.
CENA 07. APÊ DE BELA [INT./ DIA].
BELA e SHEILA, estão se ajeitando no espelho para mais um dia de trabalho. Sheila passa batom, enquanto Bela põe os saltos nos pés. Cansada da vida de prostituição.
SHEILA- (rindo) Você é bem maluca mesmo. Muito mais do que eu pensei. Uma garota de programa estilista? Era só o que me faltava.
BELA- Quando eu nasci eu não chorei. Eu gritei; cheguei Brasil! Eu sou boa no que faço. Ser garota de programa e bater salto no calçadão não estava nos meus planos de vida. É uma pena que esse concurso New Stylish: Rumo ao Victória Secrets, é apenas para marcas já no mercado. E a minha nem dessa possilga saiu. Deviam inventar um concurso para marcas novas.
SHEILA- Aceita que dói menos. E o que você ia fazer Big Bitchie? (Ri/Ironiza) Mandar hacker invadir o sistema desse concurso aí, cadastrar tua marca e esperar ela estar entre uma das 05 sorteadas?
Bela abre a boca, ri. Esperançosa.
BELA- É isso!
SHEILA- Ah, volta para o mundo real, ou melhor, para o calçadão que é onde a gente ganha á vida. Sonhar é bom, mas chega uma hora em que o salto quebra, a gente cai no chão e rala o joelho na calçada. E isso dói. Fui. Beijo. Tchau.
Sheila bate a porta. Bela continua sorridente.
BELA- Eu vou entrar nesse concurso, ou não me chamo Bela Cherous. Tá, meu nome não é esse, mas… Ah, o que importa? Os holofotes me aguardam.
Bela pega a sua bolsa e sai.
CENA 08. SEQUÊNCIA DE CENAS. [ÔNIBUS/.QUARTO DE MARIA./SHOW./ NOITE]
Tocando A Cada Dez Palavras- (KLB)- RODRIGO ALARISSE.
Tadeu se encontra dentro de um ônibus lotado, em pé. A música que ele vendeu a Rodrigo Alarisse começa a tocar. Ele revira os olhos. Bufa.
= = CORTE DESCONTÍNUO = =
A música continua. Maria abre a porta de seu guarda-roupa. Pega uma mala, aparentemente pesada. Corre. E joga janela a fora. Sorri para Ferdinando, logo em baixo, pegando a mala e fazendo sinal positivo.
= = CORTE DESCONTÍNUO = =
Fãs enlouquecidas. Muita gritaria. Rodrigo Alarisse, cantando a música e dando a mão a muitas das fãs que acompanham seu show. Dominique surge. A platéia explode. Rodrigo beija uma rosa e entrega a Dominique, que sorri e o beija.
= = CORTE DESCONTÍNUO = =
Maria caminha até sua cama, apertando uma foto de Rodrigo contra seu peito. Deita-se, sorridente. Suspira.
CENA 09. MORRO AZUL- CASA DE TADEU [INT./NOITE]
Tadeu acaba de adentrar em sua casa completamente bagunçada. Joga a mochila de lado. Os sapatos ficam pelo caminho. Deita-se no pequeno sofá. Observa uma foto de Dominique. Levanta-se, pega seu violão e volta para o sofá. Toca acordes.
CENA 10. APARTAMENTO DE LUCAS [INT./NOITE]
LUCAS encontra-se sentado numa escrivaninha, concentrado em seu computador. No sofá, Bela, roendo as unhas, na expectativa, nervosa.
BELA- E aí, Lucas? Conseguiu?
LUCAS- Ainda não. Calminha.
BELA- Essa espera me mata. Frita na farofa e passada no azeite.
Bela senta-se no sofá e novamente roe as unhas.
LUCAS- (Exaltação/Levanta-se) CONSEGUI!
BELA- Conseguiu?
Bela corre até ele.
LUCAS- Agora a “Boca Loka” está cadastrada no site New Stylish/
BELA- Rumo ao Victoria Secrets. Você arrasou.
LUCAS- Agora é só torcer para que a sua marca seja uma das 05 sorteadas para participar do concurso.
Bela beija a bochecha de Lucas e volta a olhar para a tela do computador, sorridente.
LETREIRO: PEDRA FORA- MINAS GERAIS.
CENA 11. SÍTIO. QUARTO DE MARIA [INT./DIA]
Maria encontra-se vestida para o casamento, frente a um espelho. Põe uns pequenos brincos. Joga o véu por cima. A porta se abre, adentra Stella. Encantando.
STELLA- Mas você é a noiva mais linda que eu já vi nessa vida. Vambora, filha. Hoje é o dia do seu casamento.
Stella sorri e a deixa sozinha. Maria pega o buquê e o segura. Olhando-se no espelho.
CENA 12. IGREJA [INT./DIA]
As grandes portas da igreja são abertas, o sol adentra juntamente Maria.
Tocando PARA O DIABO OS CONSELHOS DE VOCÊS- Os Condenados.
Ela anda lentamente até o altar, onde Ferdinando a espera. Ao chegar, os dois ajoelham-se no altar. O padre começa a falar. Os dois levantam-se.
PADRE- Senhor Ferdinando Medeiros, aceita Maria Dias como sua legítima esposa, para amá-la e respeitá-la, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, até que a morte os separe?
FERDINANDO- Aceito.
PADRE- Dona Maria Dias, a senhora aceita Aluísio Pereira como seu legítimo esposo, para amá-lo e respeitá-lo, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, até que a morte os separe?
Ferdinando olha para Maria, que está com os olhos cheios de água. Ouve-se o relinchar de um cavalo, que aparece na porta da igreja. E justo no refrão da música, Maria joga o seu véu no chão e sai correndo da igreja, todos correm atrás dela. Maria monta no cavalo e parte. Todos à porta da igreja.
STELLA- Maria, minha filha, volte!
JOSÉ- Volte para a igreja dona Maria!
Ferdinando sorri.
BEATRIZ- Que escândalo.
E Beatriz desmaia. Todos a acodem. Maria olha para trás, já com o penteado desfeito e os cabelos ao vento. O galopar do cavalo. Ela ri e joga o buquê para trás.
MARIA- Agora que a minha vida vai começar!
O cavalo anda mais rápido. Maria ri eufórica.
FIM DO CAPÍTULO.
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