Reveja Web Mundi: Águas de Março - Capítulo 4



 (Cena 01 – Ômega – San Martín/Interior/Noite)
(Cecília faz cara de chocada)
Augusto: Agora venha ver como isso aqui era bem estruturado antes de eu pensar nisso.
(Cecília corre para os fundos, e entra no carro)
Cecília: Eu não acredito...meu próprio pai é só mais um ladrão que passa por essa cidade. Será que o Pedro está metido nisso também? Não, ele com certeza não seria capaz disso...será?

(Cena 02 – ONG/Interior/Noite)
Malu: Calma, Marcos. Também não é assim.
Marcos: Calma, Malu? Você tá me pedindo pra ter calma? Eu levei anos pra construir isso aqui, e em apenas um dia, um garoto que não me diz nem o nome já sai quebrando tudo assim sendo que eu só quero ajudar ele? Assim fica difícil, hein?
Malu: Vem aqui, Marcos. Acho que é melhor conversarmos a sós primeiro. Crianças, vão para o dormitório. A viagem foi cancelada.
(Marcos e Malu vão para outro cômodo. Enquanto as crianças se deitam, Amir pega a chave que Malu deixou sem perceber e foge da ONG, largando a chave na porta. Malu volta ao dormitório algum tempo depois e vê que ele sumiu.)
Malu: Marcos, o garoto foi embora.
Marcos: Droga!
Malu: Olha só, a chave tá aqui. Eu fui muito burra de não ter fechado a porta.
Marcos: Calma, a culpa não foi sua. Eu vou procurar ele ao redor daqui.  (Enquanto isso, Amir chega à casa de Rodolfo)
Rodolfo: Finalmente moleque. Te procurei que só durante esses dias, e nada de tu aparecer.
Amir: Eu fui assaltar aquele cara da ONG que o senhor diz que é tão ruim. Ele me raptou, e tentou me deixar lá.
Rodolfo: Deve ter conseguido arranjar muita coisa daquele trouxa, né?
Amir: Na verdade, não. Eu tive que fugir de lá de mãos vazias.
Rodolfo: Pirralho burro!
(Rodolfo dá um soco forte em Amir, e ele cai no chão)
Rodolfo: Só por isso, vai ter que dormir aí fora hoje. E agradeça porque eu não estou lhe dando uma bela de uma surra.
(Marcos procura Amir por vários lugares, mas não o acha: “Droga!”)
Malu: E aí? Achou ele?
Marcos: Não.
Malu: Fica assim, não. A culpa não foi sua.
Marcos: E sua também não! Vamos pras nossas casas, porque amanhã podemos fazer um dia muito melhor! Boa noite, Malu!
Malu: Pra você também Marcos!

(Cena 03 – Casa de Augusto/Interior/Noite)
(Cecília entra meio distraída e escuta a voz de Pedro)
Pedro: Cecília?
Cecília: Uh? Que foi?
Pedro: Onde você estava?
Cecília demora a responder: Eu piorei e resolvi ir ao hospital.
Pedro: Nossa, você deve ter ficado muito doente pra ter ficado esse tempo todo no hospital...
Cecília: Na verdade, foi culpa do trânsito. Hoje estava terrível...nem sei como consegui chegar...
Pedro: O que você teve pra ficar tão ruim?
Cecília: Eu estava muito tonta, cansada, vomitando e com dor de cabeça...foi horrível.
Pedro: Isso tudo e você conseguiu dirigir até o hospital? Impressionante! Talvez por pouco você não tenha levado um acidente, hein? Por que não me chamou?
Cecília: Eu liguei, mas deu fora de área...onde você estava?
Pedro: No trabalho como sempre, ora...
Cecília: Essas operadoras me tiram os nervos! Boa noite, vou tomar um banho e dormir porque estou exausta...
(Cecília vai para o quarto)
Pedro: Você não me engana, Cecília...tem alguma coisa por trás disso.
(Corta para: Quarto/Interior/Noite)
(Cecília apaga o registro de ligações do celular)
Pedro: Cecília, em qual hospital você foi?
Cecília: Naquele hospital público que fica a uns 7 km daqui, lá perto do restaurante no qual você me pediu em casamento...
Pedro: Ah, sei...bem, vou dormir, boa noite.
Cecília: Até amanhã, amor.
(Cecília e Pedro dão um selinho)

(Cena 04 - Rua/Exterior/Noite)
(Amir está andando pela rua, e alguns jovens encontram ele)
Jovem 1: Olha só, pirralhinho morador de rua!
Jovem 2: E aí, moleque? Tudo certo, véi?
Jovem 1: Gente como você devia ser morto.
Amir: Me deixem em paz.
Jovem 2: Olha só! Mandou a gente deixar ele em paz...
Jovem 1: Vamos deixá-lo em paz?
Jovem 2: Claro que não!
(Amir tenta se defender, mas leva socos. Ele chora e grita muito, leva vários chutes, é despido, e deixado na beira da estrada com a cueca na cabeça)

(Cena 05 – Hospício/Interior/Dia)
Karina: Olá, bom dia...a Jurema já chegou?
Recepcionista: Não, hoje é o dia de folga dela.
Karina: Ai que droga...eu devia ter pensado nisso...
Recepcionista: Eu posso lhe oferecer alguma ajuda?
Karina: Sabe o que é? Você já deve perceber que eu e ela somos meio amigas, né?
Recepcionista: Sim, eu me lembro do seu rosto.
Karina: Então...a gente se vê de vez em quando pra combinar umas coisas nossas, e a gente sempre marca antes. Só que meu celular quebrou e eu perdi total comunicação com ela. Aí hoje eu vim fazer uma entrega que ela estava SUPER ansiosa pra receber, sabe? Aí quando chego aqui...me deparo com uma coisa dessa.
Recepcionista: Se você quiser, eu posso arranjar o endereço dela. Sou eu que controlo as fichas dos funcionários aqui.
Karina: Jura que você faria isso por mim? Eu ficaria muito agradecida, e tenho certeza que a Jurema também.
Recepcionista: Claro, só espera um momento que hoje o dia está super corrido aqui. Sente ali que daqui a pouco lhe entrego o endereço da Jurema.
(Karina senta em um lugar, e depois de um tempo, a recepcionista chega com o papel)
Recepcionista: Aqui está.
Karina: Muito obrigada.
Recepcionista: Por nada.
(Karina caminha até a saída do hospício e fala, sorrindo: “Se prepara, Jurema. Amanhã você acorda sem o seu filhinho fora de casa)
(A recepcionista entra no quarto de limpeza, e faz um telefonema)
Recepcionista: Alô?!...Jurema?! Aquela mulher veio aqui. Ela me pediu seu endereço, e eu dei como você permitiu...Está bem, se ela voltar aqui, te ligo novamente, beijo.
(A recepcionista desliga o telefone e vai para o balcão)
(Corta para: Casa de Jurema/Interior/Dia)
(Jurema desliga o telefone, e vai até a cozinha. Pega uma faca e volta pro quarto, colocando debaixo do travesseiro)

(Cena 06 – Rua/Exterior/Dia)
(Amir está no chão, no estado em que foi deixado. Marcos o acha e se aproxima)
Marcos: Meu Deus! Garoto, acorda! ACORDA!
(Amir chora)
Marcos: Calma, eu vou te levar pros teus pais. Quem fez isso com você?
Amir: Foram três caras que apareceram aqui.
Marcos: Onde seus pais moram?
Amir: Eu não tenho pais.
Marcos: Ok, calma...eu vou te levar pra um lugar melhor, e vou te ajudar. Se acalma, tá? Tudo vai ficar bem.

(Cena 08 - Prefeitura/Interior/Dia)
Pedro: Augusto, a Cecília costumava ser muito fogosa antes de me conhecer?
Augusto: Fogosa? Especifique mais.
Pedro: Ela costumava ter muitos namorados?
Augusto: Não, por quê?
Pedro: Ela saiu ontem e voltou tarde da noite.
Augusto: Mas você perguntou a ela onde tinha ido?
Pedro: Perguntei e ela disse que tinha ido ao hospital. Mas eu não acreditei muito no que ela falou não.
Augusto: Então verifique, ora!
Pedro: Como assim?
Augusto: Me passa esse telefone.
(Pedro estende o telefone pra ele)
Augusto: Ela foi a um hospital público ou particular?
Pedro: Público.
Augusto: Burra. Tem dinheiro e usa uma bosta dessas.
Augusto faz uma ligação: Alô?...Aqui quem está falando é o Augusto Mendonça, ex-prefeito da cidade. Eu quero que você me passe uma informação, se milha filha esteve aí ontem...fala logo ou eu tiro teu emprego, sua lontra...tá bem, tô no aguardo...certo, da próxima vez que eu ligar fala, ao invés de ficar enrolando, ok?
(Augusto põe o telefono no gancho)
Pedro: E então?
Augusto: E não deixou nem um cuspe lá.
Pedro: Droga!
Augusto: Resolva isso com sua mulher, e depois me diga o que descobriu. Adeus.
Augusto chega à porta e fala: "Aprende a fazer esses truques. Se fosse um hospital particular, era só dizer que conhecia é amigo da família do médico".
(Augusto fecha a porta)

(Cena 09 – Casa de Augusto/Quarto/Interior/Dia)
(Cecília entra e se depara com Pedro)
Cecília: Bom dia, amor. Como foi seu dia?
Pedro: Foi bom. Mas poderia ser bem melhor se eu resolvesse um mistério.
Cecília: Mistério? Como assim?
Pedro: Eu liguei pro hospital onde você foi ontem, Cecília. E eles disseram que não há nenhum registro seu lá. Você pode me informar onde estava? Anda, Cecília. Estou esperando uma resposta.
Cecília: Você está esperando uma resposta de mim? Meu querido, eu lamento muito, mas eu não tenho como te responder isso. Deve ter sido algum erro de algum funcionário de lá...eu estava péssima, mas também não estava morrendo. O médico só me consultou uns 5 minutinhos, mandou eu tomar um comprimido e me dispensou.
Pedro: Ok, então com essa consulta tão rápida você chegou tarde da noite daquela forma? Sendo que a consulta foi hiper rápida?
Cecília: Você tá com amnésia? Eu disse que cheguei tarde por causa do trânsito, e não da consulta. Mas agora me responde uma coisa, Pedro. Quem te contou isso?
Pedro: Eu liguei pro hospital.
Cecília: Por que você foi perguntar isso?
Pedro: Ué, porque é claro que eu fiquei desconfiado com minha mulher chegando quase de madrugada em casa.
Cecília: Sinto lhe informar, mas se você tem alguma mulher, com certeza não sou eu, porque eu não sou objeto pra ser de ninguém. Agora me escute, e abra bem as orelhas pra me ouvir: Nunca mais desconfie de mim, e faça uma loucura dessas. Nunca mais, me entendeu?! Era só o que me faltava...marido querendo mandar em mim. Essa foi boa! Adeus, vou para o quarto.
Pedro: Nós ainda não terminamos essa conversa.
Cecília: Terminamos sim. Se você tiver alguma outra conversa deve ser com os espíritos, porque essa daqui meu amor, já acabou faz tempo! Assunto encerrado.

(Cena 10 – ONG/Interior/Dia)
(Marcos entra com Amir)
Marcos: Malu, me ajuda!
Malu: Meu Deus, o que aconteceu?
Marcos: Eu encontrei aquele garoto que estava aqui ontem aqui perto. Parece que ele foi espancado, e está muito ferido. Fica aqui com ele que eu vou pegar o carro e a gente vai pro hospital.
Amir: Não...eu não quero ir pro hospital.
Marcos: Mas você está péssimo. Estou falando sério, você precisa de cuidados pra já!
Amir: Talvez alguém me ache na rua, é melhor não. Se for pra me ajudar, me ajuda aqui; caso contrário, só me deixe ir embora que eu me viro.
(Marcos e Malu se olham)
Marcos: Tá bem, a gente vai cuidar de você aqui. Crianças, deixem só eu, a Malu e ele aqui.
(As outras crianças saem)
Malu: Conta pra gente pelo menos qual é o seu nome.
Amir: É Amir.
Marcos: O que fizeram com você, Amir?
Amir: Eles me espancaram muito...porque eu sou morador de rua...
Malu: Meu Deus do céu...é impressionante como ainda tem gente que se acha superior a moradores de rua!
Marcos: Pois é, pra você ver como o mundo tá perigoso...fizeram mais alguma coisa com você?
Amir: Não...mas eu estou sentindo muita dor.
Marcos: Malu, toma esse dinheiro e vai ali na farmácia. Compra uns curativos e uns analgésicos. Tenho certeza de que ele vai precisar e muito.
Malu: Tá bem.
(Malu vai embora)
Marcos: Você sabe quem fez isso com você?
Amir: Não, não sei se isso é possível, mas eu desmaiei de tanta dor...
Marcos põe a mão na cabeça de Amir e fala: Fica calmo, garoto...você vai ficar bem. Eu prometo.

(Cena 11 – Hospício/Interior/Dia)
(Jurema chega, e fala com a recepcionista com a qual Karina conversou mais cedo)
Recepcionista: Jurema? Não esperava ver você aqui hoje. É sobre aquela mulher?
Jurema: Seja discreta. Não quero  que ninguém saiba que eu estou aqui. Eu só quero que você me passe a chave do quarto de uma paciente.
Recepcionista: Qual das?
Jurema: Janaína Pereira Castanho.
(A recepcionista olha espantada para Jurema)
Jurema: Que foi? Sim, é essa que você tá pensando. Me dá logo a chave, que saco!
(Recepcionista lhe dá a chave, e ela vai até o quarto de Janaína. Janaína está sentada num canto vendo o jardim pela janela. Parece deprimida, e se vira rapidamente ao escutar o barulho da porta se fechando)
Jurema: Eu passei a te medicar menos nesses últimos dias, e agora vai ser definitivo. Eu vou viajar pra fora do Brasil em breve, e você vai ficar boa definitivamente em poucos dias. A Karina acha que você praticamente não tem cura, mas não é bem isso. Dentro de alguns dias, você já vai estar forte o suficiente pra escapar daqui,
(Jurema segura Janaína com carinho)
Jurema: Olha...me desculpa, tá? Eu juro que só fiz isso tudo porque eu queria dar uma vida boa pros meus filhos. Mas agora você tá livre de mim.
(Jurema abraça Janaína, e ela faz cara de estranhamento)
Janaína: Adeus. Você está livre de mim.
(Jurema vai embora. Janaína abre um leve sorriso, vai para a janela e fica olhando o jardim. Jurema devolve a chave para a recepcionista)
Jurema: Eu me demito.
Recepcionista: O quê? Mas como assim? Jurema, explica isso direito. Você está ficando doida, mulher?!
Jurema: É isso mesmo que você ouviu. Eu vou receber uma grana e vou pra Paris.
Recepcionista: Mas você nem sabe falar francês...
Jurema: Eu me viro. Arrumo um velho gagá pra cuidar, e dou meu jeito. Depois a gente se despede, tá? Tchau.
Recepcionista. Ok, tchau.

(Cena 12 – Imagens do entardecer em San Martín e no bairro Etiqueta)
(Corta para: Rua/Exterior/Entardecer)
(Cida está andando pela rua cheia de papéis, quando esbarra em um homem)
Cida: Você tá cego?
Homem: Calma...uma mulher linda que nem você não pode ser tão brava assim não.
(O homem estira a mão pro rosto de Cida, mas ela desvia com um tapa)
Homem: E fortinha também.
Cida: Me deixa em paz, palhaço!
Homem: Olha, só não te encanto agora porque estou ocupado com negócio, mas se não, você ainda iria me pedir em namoro hoje.
Cida: Só se eu quisesse ir pro circo junto com a palhaçada inteira. Droga, eu já tava atrasada e você só piorou as coisas.
Homem: Ninguém mandou você ficar olhando pro chão.
Cida: Tá achando ruim? Privatiza a rua. Assim você tem ela todinha pra você. Obrigada por ter me feito perder minha única oportunidade de emprego em um mês!
Homem: Ei, calma...
(Cida vai embora)
Homem: Eu poderia ter oferecido o emprego, mas deixa pra lá...

Cena 13 – (Casa de Jurema/Exterior/Noite)
(Karina está andando ali por perto, e faz uma ligação)
Karina: Alô?...Jurema?...Eu já tô aqui no galpão...vem logo, o Marcos inventou de me dar uma viagem de presente de aniversário de repente, e eu tô louquinha aqui arrumando nossas coisas...você vem? Tudo bem, estou te esperando.
(Karina se esconde atrás de uma lata de lixo. Jurema vai passando e dobra a esquina. Karina vai para dentro da casa de Jurema)
Karina: Bebê...eu vou pegar você agora mesmo!
(Karina sufoca a criança com um lençol, apesar de que ela grita muito, e a coloca no carro)
Karina: Dá tchau pra sua casa, bebê. Dá tchau, dá!
(Karina fecha a porta do carro. No vidro, vê o reflexo de Jurema, e se vira rapidamente)
Jurema: Vagabunda!
(Jurema dá um tapa em Karina e ela cai no acostamento)
Jurema: Anda sua ratazana, se levanta, porque o show só começou agora!

(Congelamento em Karina)

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