Capítulo
IV
O
Dia Seguinte
(The
Day After – 1983 – Dir.: Nicholas Meyer)
Alguns acreditam em
destino, outros em coincidências, mas eu acredito em sorte! Algum dia, alguém
do 3º andar teve a ideia de instalar um varal de janela, na janela do corredor,
para que todos possam usar. Esse varal perfurou um pulmão de Robert, mas
amenizou a sua queda e direcionou seu corpo para a direita, o fazendo cair em
cima de uma cobertura plástica de um bar na calçada. Algumas mesas de plásticos
também ajudaram! Além de algumas mesas, cadeiras, e o toldo de plástico quebrado,
teve também algumas costelas e dentes. E claro, a consciência. Não quebrou, mas
perdeu. Resumindo: Robert virou uma bolinha de pinball. Quando a ambulância
chegou, todos da “festa” já estavam ao redor de Robert, uns pedindo para
ajudar, outros gritando pra ninguém tocar no corpo, e um mais dramático disse
para ninguém fotografar o cadáver. Matou Robert antes do tempo. Robert
milagrosamente sobreviveu. Vera me culpou por isso (pela queda, não pela
sobrevivência!). Lia me levou pra casa, não havia nada mais o que fazer naquela
noite. O trabalho era com os médicos. A confusão foi tanta que nem me lembro de
Donnie no meio da multidão, mas lembro só dele tocar no meu ombro e dizer: “Não
foi nem um pouco culpa sua!”, e sumiu.
Deus,
Robert todo quebrado e eu só pensando em Donnie. Nunca me envolvi com um cara
casado, e não vou quebrar essa regra agora. Donnie não deveria existir mais no
meu pensamento. Pego Dexter na casa de Tom, que como sempre, tem algo á dizer:
- Nossa, parece que a noite foi quente! Você está
acabado!
- Não foi quente, foi sangrenta! – respondo e agradeço á
ele pelo serviço de babá. Ele fica com um ponto de interrogação na cara,
provavelmente achando que eu matei alguém por aí.
Tomo um banho, deito, chamo
Dexter e tento dormir porque amanhã é meu último dia de trabalho antes das
férias. Adormeço logo, e novamente me vejo em um bar. Não é o FRIENDS, nem o
mesmo bar do outro sonho, mas desta vez, eu estou no balcão. Não há amigos, nem
música, apenas casais conversando e o garçom me perguntando o que vou beber.
Peço apenas uma cerveja e ele fica alguns segundo me olhando, antes de
perguntar:
- Não se lembra de mim, não é? Tínhamos combinado de nos
encontrar de novo, e achei que você não apareceria mais.
- Desculpe, mas você está tão diferente, e do lado errado
do balcão! – respondi, logo sabendo que era Ele, porém com outro corpo, outra
voz, mas o mesmo sorriso.
- Ok. Então encerro meu turno agora e te encontro na
mesa nº 04. Leva mais uma cerveja, para mim...
Obedeço
como um robô, equilibrando duas cervejas e dois copos no meio das pessoas e
mesas, o que deixaria algumas ginastas com inveja. Mas chego na mesa com as cervejas
e a coluna intactas, me perguntando como tudo isso é possível? O cara não é
Donnie, isso eu sei. Não teria sentido a vida colocar no meu caminho um cara
casado e hétero.
- Não sou Donnie. – ele responde de surpresa atrás de
mim, como se tivesse ouvido meus pensamentos, mas em sonho tudo é possível. –
Nos sonho podemos ter a aparência que quiser. Achei que usando a aparência de
Donnie, você lembraria mais detalhes do sonho quando encontrasse com ele
pessoalmente. Funcionou não é?
- Sim, demais. Foi uma noite infernal – respondi quase
secando o primeiro copo em um gole só. – Mas não entendo. Quem é você afinal?
- Sou alguém que gosta muito de você. Não sei se já nos
encontramos pelas ruas, se somos amigos, se moramos em países diferentes. Na
verdade não sei muito bem como isso funciona. Acho que é de outras vidas.
Talvez nós fossemos felizes juntos e nos encontramos aqui, já que no mundo real
não é possível.
- Porque não? – perguntei.
- Não sei. Talvez seja possível, mas isso é algo que
teremos que esperar pra ver.
- Qual seu nome? – fiz mais outra pergunta, me senti um
advogado.
- Não sei que nome eu estou usando, nem que aparência eu
tenho quando estou acordado. É tudo muito confuso, mas o dia não foi fácil pra
mim também. – ele disse triste.
- O que aconteceu? –perguntei, de novo.
- Não lembro. Mas me deixou triste. Se quando acordamos,
nós geralmente não nos lembramos dos sonhos, talvez quando sonhamos, nós não nos
lembremos das nossas vidas na maioria das vezes. – disse já meio sorrindo, e
concluiu:
- Frank, me responda uma coisa, mas seja sincero: e se
no mundo real eu for uma mulher, você me aceitaria?
Fiquei
paralisado. Não sabia o que dizer. Sempre defendi a tese de que amor e sexo são
coisas diferentes, mas nunca tinha pensado na possibilidade de vir á amar uma
mulher. Mulheres para mim sempre foram melhores amigas. Estava pensando nisso quando
ouvi um barulho. Parecia um terremoto. Algo tremendo. Percebi: meu celular.
Tirei do bolso, mas ele estava quieto, então percebi que iria acordar. Meu
celular estava tocando na vida real.
- Vou acordar! Droga, me fale como nos vemos outra vez?
– perguntei aflito, já vendo algumas coisas desaparecerem em volta.
- Eu te acho – ele disse antes de sumir também.
Acordei
suando e atordoado. Que merda é essa? O que é real, o que é sonho? Que merda de
roteiro de filme clichê é esse? Atendi ao telefone, era Lia.
- Não consigo dormir. Vim para o hospital para Vera ir
descansar. Robert ainda não acordou, mas está fora de perigo – disse ela de um
jeito triste como nunca tinha ouvido.
- Lia, você me
culpa? – perguntei, com medo da resposta.
- Claro que não
meu amor! Você fez uma das coisas mais corajosas que eu vi. Alguém precisava
dizer umas verdades para aquela vadia alcoólatra da Vera. Ela estava destruindo
o Robert e a família dela.
- Isso não é legal de se dizer depois do que houve.
Amanhã vou falar com ela. Quer que eu vá te fazer companhia? – perguntei.
- Sim, passe por aqui antes de ir pro trabalho e fique
uns minutos comigo. Já combinamos os horários e eu cuidarei dele de manhã e a
Vera de tarde. Os pais estão abalados demais para ficar com ele.
De
manhã, Tom me encontrou no corredor enquanto eu ia para as escadas.
- Não vai ter outra noitada hoje, vai? Não quero você de
madrugada me acordando pra pegar seu monstrinho – disse ele.
- Não, ontem já foi o suficiente por um ano. Prometo não
te importunar mais com o Dexter. Acho que terei que arrumar um hotel canino pra
ele, pois terei compromissos nas noites de minhas férias – respondi.
- Opa! Parece que finalmente vai desencalhar? Quem é a
infeliz? É a louca da tua amiga?
- Pára Tom, nem tudo se resume á sexo. Acho que vou ter
que fazer companhia á um amigo no hospital.
- Sinto muito. Mas não me importo de ficar com Dexter
até de manhã. O que não quero é você ás 4h da manhã batendo na minha porta
falando em “noites sangrentas”. – ele pareceu mais compreensivo.
- Sério? Se eu prometer pegar ele de manhã, você não se
importaria mesmo? – perguntei com cara de cachorro pidão.
- Não cara, se o caso é de saúde, eu não me importo. Não
sou tão insensível assim como você pensa.
Não
pude evitar, o abracei e beijei seu rosto antes de descer as escadas gritando
“obrigado” pra ele. E vi sua cara de confuso e surpreso.
- Não precisava fazer isso! Agora fiquei mais assustado.
– gritou, mas com humor na voz.
Depois
de visitar Robert, abraçar e chorar no ombro de Lia, eu me dirigi ao trabalho.
Ficou combinado que eu faria companhia para Robert no turno da noite, já que
estou de férias. Ao chega, de cara vejo Vera servindo-se de um café. Ao me ver,
ela apressou o passo e entrou na sua sala. Corri atrás dela e entrei também.
- Você não devia estar aqui depois do que fez! – gritou.
- Olha Vera, jamais imaginei que terminaria assim. Minha
intenção era ajudar Robert, porque sofro das mesmas coisas que ele. Vi que ele
não estava bem, e o que aconteceu não foi pelo que eu disse, mas por algo muito
antes disso. – respondi, com sinceridade e lágrimas nos olhos.
- Eu sei Frank – agora quem chorava era ela. – Eu nunca
quis mandar ou controlar o Robert. Mas depois da morte de Elisa, a noiva dele,
ele está muito estranhos, muito confuso. Mas eu precisava tentar ajudar. Meus
pais estão velhos e vão precisar dele. Eu não posso deixar ele se entregar. Tem
também o Tiago. Tem tanta coisa que você não sabe, porque você não vive minha
vida também, você não pode ver só o lado do Robert. Eu também tenho problemas.
E também tenho vontade de pular de prédios, ou matar algumas pessoas. Mas
Robert tem que ficar bom e ser o pilar dessa família!
- Você é uma grande mulher Vera! Saberá cuidar de seus
pais e de seu irmão, tenho certeza. E conte com minha ajuda. De noite eu
ficarei com ele durante toda ás minhas férias se preciso.
- Obrigado! Mas não conseguirei cuidar dos três, Frank.
É muita coisa para mim. Sabe, eu bebo, eu transo com estranhos, e eu até uso
drogas algumas vezes. Eu faço tudo isso porque vejo um dos meus irmãos se
afundando na depressão e preciso que ele saia dessa o mais rápido possível, e o
outro, Tiago, mal completou 18 anos e já destruiu todo seu futuro com o vício
das drogas. Não são três, são quatro pessoas que não consigo ajudar.
- Vera, para ambos é um processo demorado. – falei.
- Eu não tenho
tempo Frank. Tenho no máximo três meses, segundo os médicos, antes que o câncer
me mate! – ela respondeu, e assustadoramente, estava sorrindo.
* Aos poucos Frank se vê cada vez mais envolvidos com pessoas que antes não faziam parte de sua vida. Mas será que a realidade do mundo fora de seu apartamento vai fazer bem para ele. Continue acompanhando Encontros e descubra. Voltamos quarta, ás 22h40min.


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