EPISÓDIO
01: A
SOLIDÃO & O SONHO
Um dia
antes da Véspera de Natal.
CENA 01: APARTAMENTO DE EURIDES/ ZONA SUL DE SÃO PAULO/
INT./NOITE
Da sacada do apartamento, uma mulher já idosa,
franzina, de olhar doce e profundo olha pela janela no céu as estrelas, elas
brilham tão intensamente que é possível através delas ver o canteiro de obras
no outro lado da rua do lado de fora do prédio. O Céu parece ser um mero
sustentáculo para tanta beleza, brilho e encantamento. Eurides de 70 anos,
apesar de toda angústia observa as estrelas com admiração, elas a fazem lembrar
de seu passado, sua vida, suas histórias, a família que está distante. Por alguma
razão e no seu semblante é notório perceber que de alguma forma, as estrelas a
aproximam de sua família, suas filhas, genros e netos, é como se de alguma
forma ela soubesse que aquelas mesmas estrelas brilhantes e cintilantes
estivessem sendo vistas por seus familiares distantes.
CORTA PARA:
Telma, amiga e cuidadora de Eurides observa atentamente o
semblante da amiga enquanto enfeitara a árvore de natal, atenta como é, logo
percebe a tristeza e angústia que Eurides tentara esconder, porém que era
facilmente notada.
Se aproximando, Telma vem até a amiga, que se escora na pilaste da
sacada.
O silêncio é seguido por um pequeno espaço de tempo.
TELMA
– O que está acontecendo, Dona Eurides?
EURIDES – Não está acontecendo nada Telma, apenas observo as estrelas,
veja como elas brilham!
TELMA
– Dona Eurides, eu conheço a senhora, sei que está sentindo algo ou com algum
problema. Conte-me!
Eurides se afasta e adentra no apartamento.
Telma a segue.
EURIDES – Amanhã é noite de natal, você sabe muito bem, detesto essa
data. (RANZINZA)
TELMA – Mas como a senhora pode não gostar do natal? O natal é o maior
símbolo de união, fraternidade, esperança, amor, família...
Eurides interrompe bruscamente.
EURIDES – Família? Eu não tenho família.
TELMA
– A senhora tem sim uma família, que lhe ama muito por sinal, mas que estão
distantes.
EURIDES – Sabe filha, não vejo minhas filhas há mais de 15 anos, meus
netos? Alguns quando foram embora eram meninos de colo. E mais uma vez passarei
o natal sozinha, quer dizer, com você.
Telma engasga.
TELMA – É justamente sobre isso que queria falar. Dona Eurides, eu
marquei de viajar amanhã, na véspera de natal. Eu não sabia como contar-lhe
isso, juro que não quero deixar a senhora sozinha.
EURIDES – Não há problema minha filha, você não é obrigada a passar o
natal com essa velha maluca, não é mesmo? (RINDO)
TELMA – A senhora não é maluca, onde eu estava com a cabeça, meu Deus!
Amanhã mesmo irei desmarcar a viagem com minhas amigas.
EURIDES – Você não vai fazer isso minha filha, ano passado mesmo, você
ficou aqui comigo, além do mais, passou o ano inteiro me aturando.
TELMA
– Ah, Dona Eurides, eu sou paga para isso e mesmo se não fosse ficaria com a
senhora da mesma forma, a senhora é a mãe que eu não tive.
Eurides olha para Telma com admiração.
EURIDES – Quero lhe mostrar uma coisa...
CENA 02: APARTAMENTO DE EURIDES/ QUARTO/ INT./NOITE
Eurides acende o abajur do quarto, ela se encaminha até o
guarda-roupa, abre uma porta e dela tira um álbum de recordações, Telma
observa.
EURIDES – Sente-se aqui, quero lhe mostrar algo muito especial para mim.
Telma se aproxima e senta na cama ao lado da amiga.
Eurides abre o álbum.
EURIDES – Veja! Essas são minhas filhas, minhas amadas filhas, nessa outra
página, o batizado de Vilma. Veja como ela chorou nesse dia, foi um sufoco. (RINDO)
TELMA – Realmente, são lindas meninas mesmo.
EURIDES – E essa aqui, veja! Joana chorou muito quando seu primeiro dente
de leite caiu. Chorou a noite toda, Alberto até bateu na coitadinha.
TELMA – A senhora não tem nenhuma foto do seu falecido marido?
EURIDES – Eu gosto de relembrar coisas boas, minha filha. Apenas coisas
boas.
Eurides abaixa a cabeça.
Telma olha com admiração para Eurides.
TELMA – Quer saber, eu vou ligar para suas filhas, a senhora não vai
passar o natal sozinha, não vai mesmo!
EURIDES – Não adianta, minha amiga! Elas estão sempre ocupadas, estão
longe, elas não virão.
TELMA – Não custa tentar não é mesmo!
Telma levanta-se e sai em direção a sala de estar.
Eurides continua olhando o álbum e revivendo suas
recordações.
CENA 03: APARTAMENTO DE EURIDES/SALA DE ESTAR/INT./NOITE
Telma chega na sala de estar do apartamento, rapidamente ela
observa o telefone fixo sob o criado-mudo, perto do abajur. Ela procura na
agenda do lado o número das filhas da velha amiga, Eurides. O primeiro número a
discar é o de Vilma. O telefone fica em espera por mais de 5 minutos, sem
sucesso. Telma então tenta telefonar para outra filha, Joana, o telefone também
permanece em espera, apesar de achar estranho, Telma tenta novamente, dessa vez
só lhe resta a última filha de Eurides, Eva. O telefone permanece em espera até
que após alguns minutos alguém atende.
POR TELEFONE:
EVA –
Hello!
TELMA – Boa noite senhora, a ligação é do Brasil.
EVA –
Brasil? Alguma coisa aconteceu com mamãe? (ASSUSTADA)
TELMA – Não! Graças a Deus, não! Dona Eurides está ótima.
EVA –
Maravilha então.
TELMA
– Dona Eva, sei que vocês e suas irmãs estão sempre muito ocupadas aí no
exterior, mas dona Eurides sofre muito com a ausência de vocês, sabe? E amanhã
é noite de natal. Eu estou ligando justamente para que vocês possam vir até o
Brasil revê-la.
EVA –
Telma, né esse seu nome? Bem Telma, não dá mesmo, como você
mesmo disse, amanhã é noite de natal, as passagens estão custando o olho da
cara, não dá pra sair agora, além do mais eu e minhas outras irmãs não temos
uma boa relação, mamãe não sabe, espero que não conte nada a ela.
TELMA – Juro que não sabia que vocês tinham uma relação
conflituosa.
EVA-
Pois é. Joana confia muito em você para cuidar da mamãe, sabia?
TELMA – Sim, agradeço muito pela indicação de minha antiga patroa para
sua irmã. Dona Eurides é uma mãe para mim, e juro que não aguento ver tanta
tristeza nos seus olhinhos. Por isso liguei.
EVA –
Agradeço pela sua preocupação Telma, mamãe é muito especial para nós todos, mas
não posso ir, infelizmente.
TELMA – Eu agradeço dona Eva. Um abençoado natal para todos vocês.
EVA
– Happy christmans, querida!
Telma coloca o telefone no lugar. Ela olhara aflita para os lados,
não sabia como contar toda verdade para Eurides, como dizer para querida amiga
que as filhas não têm uma relação afetuosa e por isso nunca a visitaram juntas?
E o natal da amiga? Seria solitário como a mesma já imaginara? Telma não queria
que isso acontecesse, mas a possibilidade de que as filhas a visitassem era
quase remota.
Ainda boquiaberta, Telma se encaminha até o quarto de
Eurides.
CENA 04: APARTAMENTO DE EURIDES /QUARTO /INT./NOITE
Telma abre a porta do quarto de Eurides e adentra.
Eurides observara da sacada da janela as estrelas.
TELMA – O que a senhora sente quando ver as estrelas? (APROXIMANDO-SE)
EURIDES – Não sei explicar, talvez paz, minha nobre amiga!
Pequena pausa.
EURIDES – Então, minhas filhas atenderam o telefone?
TELMA – Não Dona Eurides, não consegui falar com elas. O sinal estava
horrível e ligação internacional a senhora sabe como é!
EURIDES – Não tente me enganar, Telma. Eu conheço você, sei que está
mentindo, seus olhos demonstram isso.
TELMA – A senhora me conhece mesmo!
EURIDES – Conte-me a verdade.
Telma e Eurides se sentam na cama.
TELMA – Eu conversei com uma de suas filhas, dona Eurides. Eva. Ela
contou-me que não poderia vir para o Brasil devido as passagens e o tempo
corrido.
EURIDES – Ao menos perguntou por mim?
TELMA – Claro que perguntou, até teve um susto imenso com a ligação
repentina.
EURIDES – Está vendo nobre amiga, pensava ela que eu estava morta ou
aconteceu alguma coisa comigo. É sempre assim!
TELMA – Não é isso, dona Eurides! Ela se preocupa com a senhora! Todas
elas.
EURIDES – Preocupação? Não sei o motivo de estar afirmando isso, vejo que a
única preocupação que minhas filhas têm comigo é se ainda estou viva.
TELMA – Dona Eurides, não fale isso.
EURIDES – Chega! Quero dormir!
TELMA – Dona Eurides...
EURIDES – Prepare minha cama, não quero mais conversar sobre isso.
Telma respeita a decisão de Eurides, ela prepara sua cama.
Eurides deita-se na cama.
Telma apaga o abajur.
TELMA – Boa noite dona Eurides.
EURIDES – Boa noite.
Telma fecha a porta do quarto e sai, Eurides olha para o céu
repleto de estrelas, uma lágrima escorre de seu rosto.
CENA 05: APARTAMENTO DE EURIDES/ INT./ NOITE
O silêncio é predominante no apartamento, a escuridão é total,
apenas um abajur ilumina a sala de estar, o relógio marca 00:00 horas em ponto.
Já é véspera de Natal.
CENA 06: APARTAMENTO DE EURIDES /QUARTO/ INT./ NOITE
Focando no quarto de Eurides, ela dorme em profundo silêncio,
revirando-se na cama. É possível ver sua aflição, estava ela sonhando. Um
pesadelo que tirava sua paz.
SONHO:
Eurides via de longe um velório acontecendo no seu apartamento.
Eva, Joana e Vilma suas filhas choravam constantemente. Telma ao lado do caixão
chorava inquieta e aflita. Eurides se aproximara do caixão, chegando cada vez
mais perto. Ao se aproximar do caixão, ela se surpreende, ao se ver dentro
dele, morta. Eurides se espanta e se afasta, tentando sair daquele local ainda
impressionada. Ao olhar para o canto, Eurides observa a árvore de natal
decorada por Telma. Com o susto, ela solta um intenso grito.
Ela acorda.
Eurides acorda impressionada e assustada.
EURIDES – Meu Deus!
Eurides passa a mão no coração, tentando acalmá-lo.
Ela volta a dormir, mesmo inquieta e assustada.
A cena escurece.
AMANHECE...
CENA 07: APARTAMENTO DE EURIDES /COZINHA /INT./DIA
Telma prepara o café da manhã na cozinha, eis que Eurides se
aproxima de repente.
EURIDES – Bom dia, Telma.
TELMA - Que susto, dona Eurides! Bom dia!
EURIDES– Hum... (RINDO)
TELMA – Pelo menos vejo que está mais feliz hoje minha amiga.
EURIDES – Estou sim, Telma. Hoje é véspera de natal.
TELMA – Eu pensei que a senhora estivesse triste ainda por ontem!
EURIDES – Não estou! Arrumei uma forma para que minhas filhas, genros e
netos passem o natal comigo!
TELMA – O que a senhora está falando, dona Eurides?
EURIDES – Eu irei morrer, minha amiga. Quer dizer, fingirei que vou morrer.
Minhas filhas não se preocupam tanto comigo? Pois então, virão para o meu falso
velório, não é mesmo?
Eurides ri, Telma fica boquiaberta e sem palavras, não acreditara
no que acabara de ouvir.
A cena congela e torna-se uma estrela no céu.
CONTINUA...
0 Comentários