Capítulo
XIV
Os
Melhores Dias De Nossas Vidas
(Inside I’m Dancing – 2004 – Dir.: Damien O’Donnell)
Deixei os convidados na
sala conversando e levei André ao meu escritório. Um pequeno quarto que
transformei num local para ler e relaxar. Lia e Tom não gostaram muito, mas
como estou num processo de recomeço, e já resolvi a situação com minha mãe,
agora era a vez de André.
- Desculpe vir sem avisar. Espero não atrapalhar seu
namoro. – disse André.
- Tudo bem, não atrapalha em nada. Mas André, preciso ir
direto ao ponto: não podemos mais nos encontrar, ficar tendo essas conversas.
Tudo isso faz parte do meu passado, e decidi que não quero que faça parte do
meu futuro. Tenho coisas novas pra conquistar e fazer e não posso me prender em
lembranças, na maioria desagradáveis que tive com você. Perdoei você, nem mágoa
tenho mais. Mas entenda que não há espaço pra você na minha vida. Não mais!
- Não sei o que fazer Frank. Também mudei minha vida com
intenção de reconquistar você, e agora te vendo assim, com esse novo visual,
essa nova atitude, mais confiante, isso me deixa ainda com mais vontade de ter
você de volta. Eu não preciso de você, mas eu quero você. Sei que não posso
competir com o modelo aí na sala, mas eu preciso tentar.
- Ok, você tentou. E não há competição nenhuma. Não sou
um prêmio, nem um troféu. Sou um ser humano com sentimentos e que no momento
não sente nada por você. Eu realmente gostaria que essa fosse nossa última
conversa sobre o passado. Quando precisar de um amigo, para falar de outras
coisas, pode contar comigo. Mas se falar em “nós” de novo, tudo acaba. Não
existe mais “nós”. Somente você e eu, entende? – respondi firme, mas tremendo
por dentro com o velho medo entre ficar sozinho, ou arriscar entrar numa
relação que pode ser destrutiva novamente. André é o “cara errado” que Dona
Neusa falou. Agora sei disso. Preciso me preparar para o certo. E com isso a
conversa se encerrou. André se despediu e foi. Ninguém na sala tocou no
assunto.
Nos
dias seguintes tudo estava normal. Era até perfeito demais pra ser verdade.
Minha única preocupação era Tom se mudar. Eu me acostumei a ter ele cuidando de
mim, mesmo daquele jeito desajeitado, ele é um bom amigo. Meu chefe me chamou
de novo no escritório, e fui.
- Preciso de um trabalho seu. Uma cliente ligou, quer
redecorar a empresa, e trocar todas os computadores, impressoras e materiais
tecnológicos para mais modernos, pois pretende expandir sua revista. É Roxanne,
da revista Model Charm. Preciso que vá lá, e veja do que ela vai precisar, e de
quantos. Vou te dar o endereço.
- Não precisa! Sei onde fica. Roxanne é minha amiga há
anos. Estudamos juntos. Esse negócio será nosso com certeza. – respondi e sai
feliz de rever uma amiga muito importante.
Os
escritórios da Model Charm não eram os mais atuais em termos de tecnologia. E a
revista passava por uma crise de vendas. Roxanne me contou tudo entre
lembranças, risadas e umas cervejas no escritório dela. Me explicou o que
pretendia. Mesmo com a crise, ela quer melhorar a qualidade da revista, e assim
atrair novos públicos, não só modelos e estilistas, mas pessoas comuns. Fiz a
contagem do que seria necessário, prometi o orçamento para o dia seguinte, e
antes de sair me ocorreu uma ideia, e dividi com ela meu projeto.
- Olha Frank, é arriscado, devo confessar. Mas acho que
daria certo, já que nunca vi nada parecido em nenhuma outra publicação. Vou
precisar de tempo para arrumar modelos, e também tem que esperar a instalação
dos novos equipamentos. – disse ela.
- Não! Fica tranquila. Modelos eu consigo. A impressão
dessa edição tem que ser de luxo e te dou de presente! Farei tudo na fábrica.
Você só vai precisar entrar com a matéria, e outros artigos. A matéria de capa
deixa comigo. E outra condição: você paga o fotógrafo! E eu escolho o
fotógrafo.
Convencer
meu chefe de que Roxanne aceitaria nosso orçamento, mas precisava de nossos
equipamentos para a próxima edição da revista até a instalação foi fácil. Agora
só precisava falar com Lia para conseguir as modelos.
- Mas isso vai vender como água! É isso que está
faltando hoje em dia: coragem e ousadia! Essas revistas de merda falam como as
mulheres tem que se vestir, agora vamos mostrar algo mais do que “roupas”.
Deixa comigo que arranjo tudo o que você quiser!
De
tarde, ao chegar fui direto falar com Tom, que estava deprimido como nos
últimos dias. O negócio ia mesmo mal e ele já tinha até encaixotado algumas
coisas, só esperando encontrar um lugar pra se mudar. Aquilo me apertou o
coração. E tentei animá-lo.
- Ok amigo, pode parar de bancar a mocinha de novela
mexicana e levantar a bunda dessa poltrona, porque temos que mudar algumas
coisas aqui. – disse alegre, quase eufórico.
- Do que você está falando? Mudar o que? Eu vou me
mudar!
- Não vai não! Agora tenho as tardes livres e estou me
contratando como seu secretário, e a primeira coisa que precisamos é redecorar
esse estúdio. Colocar mais cores, mais vida, e tirar esse preto e branco.
- Você enlouqueceu é Frank? Estou falido e você que
transformar meu aparamento num arco-íris?
- Você não está falido! Só está sem criatividade. E não
precisamos pintar, derrubar paredes nem nada. Estou dizendo amigo que tenho
algo grande pra você. Mas você vai precisar pensar grande. E esse trabalho só é
seu se me aceitar como ajudante. Quero expandir meus conhecimentos, e além do
mais vamos ajudar algumas pessoas á serem vistas como seres-humanos, romper
alguns preconceitos, e isso interessa á nós dois, já que somos minorias.
- Estou curioso e com medo. Sua última ideia fez todo
mundo achar que você tinha se matado.
- Agora é o oposto! Vamos dar vida... Você me ensina o
básico. Mas antes vamos arrastar uns móveis e ligar pra Gina e Rebeca arrumarem
algumas coisas pra nós. Gina sempre foi escandalosa no modo de se vestir, e
isso vai ser útil.
- Frank, quer me contar o que está acontecendo?
- Uma coisa de cada vez. Vai esvaziando aquela mesa de
escritório. Arruma um espaço maior nesses cabideiros, instala o PC na minha
mesa, que eu vou ao meu apartamento fazer umas ligações. – respondi já saindo
antes que ele protestasse.
Após as
ligações, Lia e Robert apareceram, e começamos a pintar as paredes que seriam
do meu “escritório” de azul. Gina e Rebeca chegaram logo depois com roupas
coloridas para por nos cabideiros, e com algumas coisas para ajudar na
decoração, como um abajur rosa, um sino dos ventos com cavalos marinhos de
cristais, quadros de homens e mulheres em nudez artística. Pintamos a prateleira
de livros com cores variadas e Robert chamou um amigo grafiteiro para pintar a
parede que dá de frente para a porta. O grafite, entre mulheres e homens
estilosos, tinha o dizer “Estúdio Tom” com cores berrantes, mas modernas. O
apartamento ficou um luxo, parecia outro. Tom só observava, incrédulo, mas no
fundo percebi o ar de aprovação que ele tentava esconder.
Cansados,
cada um foi para sua casa e depois fomos nos reunir na casa de Joane. Toda a
turma, incluindo Tiago e Beatriz, Gina e Rebeca e até Tom e Roxanne apareceram.
Finalmente o clima era de paz, para todos. Donnie iria presentear nosso projeto
com um outdoor enorme com a capa da revista na estação do metrô. Sua agência de
publicidade apoiaria essa causa.
No dia
seguinte, no trabalho tudo ocorreu normal. Fred e Mila pareciam ter se dado bem
e até trocaram uns selinhos enquanto tomavam café. Parece que o chefe resolveu
desistir de impedir isso. O amor era mais forte do que uma regra trabalhista, e
além do mais, todos ali éramos amigos e essa aproximação estava fazendo o
rendimento melhorar muito.
Após o
expediente fui para casa, me alimentei e fui para meu novo hobby: ajudar Tom na
sua agência de fotos. Ele agradeceu todo o empenho da turma.
- Nunca tive tanta gente se preocupando comigo. Sabe,
sou popular, mas aquele popular superficial, onde as pessoas conhecem nas
festas, na rua, mas na hora do aperto não se pode contar com ninguém. Muito ali
nem me conheciam e trabalharam de graça pra ajudar a agência e isso não tem
preço. Nunca havia ido numa janta com pessoas realmente interessada em mim e no
meu trabalho. Só ainda não entendi o que é esse projeto que você tanto falam –
me confessou, meio emocionado.
- Tom, agora todos somos teus amigos. Você é um cara
magnífico depois que a gente conhece você. Mas sem te conhecer você é mesmo
apenas um vagabundo egocêntrico. – fiz ele rir.
Mal
terminei de falar, Roxanne apareceu com as modelos. Parecia que o prédio tinha
sido invadido, de tanta gente saindo do elevador, e outras subindo as escadas.
Quando Tom viu aquilo não controlou a língua:
- Travecos? Vou fotografar travecos?
- Não amigo, não use esse termo horrível. Não são
travestis. São Drag Queens e transexuais, e eles vão salvar sua agência e a
revista de Roxanne. Prepare-se, sua agência vai explodir de purpurina!
* Texto escrito e registrado por Patrick Lima Prade
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