Capítulo II
13º Andar
(The Thirteenth Floor – 1999 – Dir.: Josef Rusnak)
Passar um dia inteiro
pensando em um sonho bom pode parecer uma maravilha para a maioria das pessoas
normais, mas não para mim. No começo do dia eu sabia que as próximas horas
seriam longas e tensas. Eu só pensava em ir me deitar, e sonhar, e encontrar
meu amigo dos sonhos novamente. É engraçado, mas eu precisava saber mais a
respeito daquele cara, seu nome, onde mora, o que faz... Resolvo que não vou
comentar com ninguém sobre o assunto, por mais que minha vontade seja de ouvir
diversas opiniões sobre o assunto. Até que na hora do almoço não me aguento e
comento com Lia, minha colega e amiga há anos. Não conto os detalhes, nem que
estou tão encantado assim por um homem que só existe na minha imaginação. Lia
ouve tudo fazendo caras de quem entende do assunto. Freud morreria de inveja!
Então após abrir meu coração e contar uma das coisas mais constrangedoras da
minha vida á ela, veio o veredicto:
- Isso é espiritual! – disse Lia, séria. – Tenho
certeza! Minha tia entende muito dessas coisas de sonhos, almas penadas e
coisas assombradas. Ela disse uma vez que, quando sonhamos, nos encontramos com
outras pessoas que também estão dormindo e sonhando conosco. Que ambos saem do
corpo e vagam por aí e se encontram com outras pessoas que tem a mesma
sintonia. Não sei se é bem assim que funciona, mas é o que eu me lembro dela
dizer.
Ok! Meu
medo era estar louco, obsessivo, ou até delirando, agora tenho “assombrado”
adicionado á minha lista. Não contava com isso. Seria talvez um espírito
entrando em contato? Mas eu não me lembro de receber nenhuma mensagem, ou
visão...
- Então Lia, você acha que isso aconteceu mesmo, só que
em outra “dimensão”?
- Não! Eu não acredito nessa bobagem toda. Disse o que
minha tia falou. Na minha opinião foi só um sonho como outro qualquer.
- Lia, com o que você sonhou ontem á noite? – perguntei.
- Nunca lembro meus sonhos. Mas tinha muita gente, num
lugar barulhento...
- Tipo o bar que vocês frequentam todas ás quartas e que
eu nunca aceitei o convite de ir? Como é mesmo o nome do bar? – perguntei,
tentando achar algum ponto em comum, uma luz, um sinal, uma voz vinda do alto,
um trevo de quatro folhas...
- FRIENDS! O dono colocou esse nome porque é fã de uma
séria famosa onde os personagens se reuniam num tipo de bar eu acho... – ela se
cala por uns segundos – Espera aí! Pelo pouco do que você me falou, o local
parece um pouco com o bar Friends! Sim, o estilo das mesas, o local do palco,
as janelas, a música horrível que, Deus permita, só toca lá!
- Você acha possível que esse sonho seja um sinal de que
eu deva ir nesse bar na quarta?
- Olha, você deveria ir todas as quartas, com ou sem
sinal divino. Mas sim, agora pensando bem, acho possível que vocês tenham se
encontrado no mundo astral e marcado encontro no mundo real. Você não gostaria
de ir falar com minha tia hoje depois do trabalho? Ela pode te falar mais sobre
o assunto!
- Não sei se estou pronto para ouvir. Talvez deva esperar
para ver o que vai acontecer hoje á noite – falei indeciso.
- Não me diz que você acha que tem um compromisso com um
cara, hoje, ás 3 da madrugada, nos seus sonhos, não é? Não me fala isso que
começo a dar choque na tua cabeça agora mesmo! Pelo amor de Deus, Frank! Você é
o cara mais racional que conheço e agora que ir dormir para encontrar um
personagem de um sonho passado? Você está lendo e vendo filmes demais!
- Não, não é isso... Provavelmente nunca volte á sonhar
com ele novamente, mas preciso ver com o que vou sonhar. Se vai ser intenso
como ontem, real, ou vai ser só um sonho comum.
- Vai ser só um sonho comum, acredite. – disse ela
cortando minhas esperanças.
- Mesmo assim vou tentar. Preciso pesquisar sobre
sonhos, saber como prolongar, controlar, ter sonhos lúcidos, viagens astrais,
essas coisas! Hoje vou à livraria procurar livros sobre o assunto! – respondi
eufórico.
- Meu Deus, mas não vai mesmo! Tudo o que tu menos
precisa é se enfiar numa livraria e continuar nesse mundo fechado. Se o sonho foi
um sinal de que alguém nesse mundo quer te encontrar, então você precisa sair a
tua caverna! Ele não vai bater na tua porta!
- Eu sei Lia, tu tem razão. Mas tu sabe como é difícil
pra mim sair depois de tudo. Sinto um aperto, um desespero de ficar rodeado de
tanta gente...
- Ok, hoje a Joane da Contabilidade vai dar uma janta na
casa dela. Uma despedida de solteiro surpresa para o noivo, mas com casais. Uma
janta pra meia dúzia de gente... Eu não pensei em ir porque seria a única sem
par, mas agora já tenho um: você Frank!
- Lia, todo mundo deve desconfiar que eu sou gay.
Ninguém vai acreditar que estamos tendo um caso. – falei zombando dela.
- Eu sei amado! Não vamos como um casal, mas como uma
dupla, tipo o Batman e o Robin, só que sem o sexo... Além do mais, ninguém
desconfia que você é gay. Eu mesmo só sei por que você me contou, senão, nunca
desconfiaria que você gosta de rola! Então, te pego ás 20h e não se fala mais
nisso, porque entrou um bicho no meu ouvido e não estou ouvido mais nada! Meu Deus,
eu vou procurar um médico! Socorro!! – saiu ela, fingindo, gritando meio alto,
fazendo todo mundo olhar pra mim...
Nada me
deixa mais desconfortável do que ser observado. Talvez ir a algum lugar cheio
de estranhos também me deixe desconfortável. Há um empate técnico! Mas estou
meio pronto ás 19h45min. “Meio” porque ainda dá tempo de desistir, penso. Fico
procurando desculpas pra não ir. Talvez se eu arrancar um dedo e for para um
hospital? Quebrar uma perna? Mentir que Dexter está doente? Estou procurando alternativas
quando Lia entra e me interrompe. Ela tem a chave, “para o caso de um dia eu
cortar os pulsos, e ela poder entrar e encontrar meu corpo nu, numa poça de
sangue, parcialmente comido por esse seu cão”, ela disse, e eu aceitei. Péssima
decisão! Lia é ótima, mas não entende como é ser eu. Ninguém entenderia, já que
eu mesmo também não entendo!
- Vim mais cedo porque achei que a Cinderela talvez
precisasse de ajuda, mas vejo que você está bem, tirando a palidez cadavérica!
Vamos pro espelho que vou tirar essa fantasia de Edward Mãos De Tesoura do seu
rosto! – disse já me empurrando pro espelho e abrindo suas maquiagens.
-Não estou em sentindo bem... – comecei.
- Você nunca está se sentindo bem, Frank. Então vamos
passar mal comendo e bebendo de graça na casa da Joane! –
Após
deixar Dexter, meu cão, com Tom, meu vizinho, chegamos ao prédio. Dexter não
gosta de ficar sozinho á noite. É muito louco! Ele pode ficar o dia inteiro
sozinho dormindo, mas á noite vira um capeta: late, faz sujeira por todo o apartamento.
Tom se oferece pra ficar com ele nas raras vezes que saio. Ele disse que
prefere ficar com Dexter dormindo no sofá dele do que ouvir latidos a noite
inteira. No meu prédio são 3 apartamentos por andar, mas Tom é meu único
vizinho. Ele comprou os outros dois e fez um inteiro, enorme. Nunca entrei lá,
mas toda semana entram duas ou três mulheres diferentes, por um bom tempo. Tom
é o típico egocêntrico, que se acha um garanhão. Assim como Dexter, ele também
não gosta de Lia, por isso Lia nunca fica com Dexter pra mim. Sempre sobre para
o Tom.
Chegamos ao prédio de Joane
uns 20 minutos depois. Um elevador! Meu Deus! Não entro nem fodendo! Nem o do
meu prédio eu subo!
- Subo os 13 andares pela escada e nos encontramos lá em
cima, ok? – proponho para Lia que está me puxando.
- Por favor, Frank, seja gay, mas não seja fresco. É um
elevador, não uma fornalha.
Tarde demais. A porta fecha
e estamos subindo e minha coragem caindo. Mas chegamos inteiros e vivos ao 13º
andar, e somos recebidos por Joane e seus 18 amigos. “Uma janta pra meia dúzia
de gente”, disse Lia, e eu acreditei.
- Ok pessoal, pra quem chegou á pouco: o Donnie não sabe
da festa, então o porteiro vai me dar um toque quando ele chegar e nos
escondemos, ok? – disse Joane numa voz fininha como se estivesse falando com
meia dúzia de filhotes de cachorros doentes em uma gaiola.
Aproveito o momento e
vencendo minha timidez vou indo de grupo em grupo, ouvindo os assuntos e
tentando encontrar algum interessante, e talvez reconheça pela conversa, o homem
do sonho. Acho que nem sempre temos a mesma aparência nos sonhos. Eu mesmo ás
vezes estou mais velho, mais gordo, mais bonito, loiro, moreno, e na maioria
das vezes não vejo meu rosto. Paro de pensar quando um rapaz em um grupo fala:
“Sinto como se meu coração estivesse morto!”. Meu sangue gela e eu fico branco,
apesar da base que Lia rebocou no meu rosto. É a frase dele, do meu sonho. É um
rapaz que não conheço, mais ou menos da minha idade e com uma enorme cicatriz
no pulso. Eu sabia o que aquilo significava. Eu também tenho uma... Corro até
Lia e pergunto sobre o rapaz. Ela nunca o viu, mas chama Joane e, fingindo
lembrar-se do rapaz, mas não saber de onde, pergunta quem é.
- É o Robert, irmão da Vera do Almoxarifado. Ele perdeu
a noiva a quase um ano em um acidente de carro, ele sobreviveu, mas se culpa
sempre. Hoje a Vera finalmente conseguiu tirar ele de casa. Está quase numa
depressão profunda. – responde Joane olhando para Robert como se ele tivesse
lepra e fosse começar a se desintegrar á qualquer minuto.
Assim
que Joane sai, Lia se prontifica á ir até a Vera do Almoxarifado para tentar
uma aproximação com Robert. Fico pensando se me chamam de Frank do Estoque
quando se referem á mim na empresa. Sempre usamos o setor da pessoa para
identificá-la. Tem até o Gerson do Banheiro, responsável pela limpeza e
organização dos 15 banheiros da fábrica, que nesse momento está enchendo a
cara, O Fred do Telefone que está vidrado em um filme na TV, a Gina da
Secretaria que só sabe rir, e o Steve do RH, que me lembra muito meu ex, André,
por ser infiel assumido no seu casamento, e isso me faz odiar ele.
- Agora é a hora! Vera foi pegar bebida, vamos... – Lia
me puxa. Eu ouvindo meu coração e rezando que ninguém mais ouvisse.
Estamos a alguns passos da Vera do Almoxarifado quando
as luzes se apagam.
- Ele está subindo, o Braga acabou de me mandar uma
mensagem – disse Joane.
Braga deve ser o porteiro. O Braga da Portaria.
Tento achar o espectro de
Robert pela sala sombria e nada. Ele deve ter medo de escuro, e de gente, e de
gente no escuro. Eu tive no começo de minha depressão, é normal, mas terrível.
Vejo uma luz pela fresta do banheiro, e logo penso ser ele. A porta não está
trancada, tem uma fresta mínima, que não atrapalha em nada a surpresa para
Donnie, mas revela ter alguém lá dentro. E se a porta não está trancada, logicamente
a pessoa não está fazendo nada “importante”, apenas passando uma água em seu rosto,
olhando no espelho e falando para si mesmo: “Aguenta, vai passar! É só hoje!”.
Ou talvez esteja fazendo outro corte? Preciso espiar, entrar em contato...
Sussurro a Lia que vou ao
banheiro, mas no silêncio, parece que gritei. Todo mundo me ouviu. Vou
encolhido em direção ao banheiro. Barulhos me tiram a concentração e relaxam
meus músculos. A porta da frente está sendo aberta. “Salvo pelo gongo”, penso. Acho
que não teria mesmo coragem de falar com Robert, ainda mais em um banheiro. Não
é a minha ideia de primeiro encontro perfeito. A porta da frente fecha, a do
banheiro se abre. A luz do banheiro é apagada, a luz da sala é acessa. Robert
fica mudo na minha frente. As pessoas gritam na sala. Robert fica parado, ainda
me olhando, e eu me viro em direção a Lia procurando uma ajuda desesperadamente.
Então vejo a cara de surpresa de Donnie, o noivo, e quase desmaio: é ele! O
homem do meu sonho.
* Na quarta-feira, você descobre como vai terminar essa noite que vai mudar completamente a vida de Frank e outros personagens. Ás 22h40min. Até lá!


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