Capítulo I
Enquanto Você Dormia
(While You Sleeping – 1995 – Dir.: Jon Turteltaub)
Olá, sou o Frank! Um cara reservado e meio anti-social. Sou magro, mas não do tipo que serviria de modelo em aulas de anatomia. Tenho 1,70cm, olhos e o que me resta de cabelos castanhos, e uma vontade enorme de não fazer nada! Minhas noites se resumem a ficar em casa lendo romances que nunca vou viver, ou assistindo filmes que sonho fazer, até o sono chegar, com a ajuda de um Rivotril, e dormir acompanhado com meu fiel cachorro Dexter. Estou assim á quatro anos, desde que meu relacionamento amoroso com André terminou. Digo “meu” porque só eu amava, só eu lutava para durar, e durou quatro anos porque eu insisti em cometer os mesmos erros e perdoar André várias vezes por sua incapacidade de viver um relacionamento baseado na fidelidade. Acho até que André me amava de verdade, mas gostava de transar com outras pessoas, e isso dificulta um pouco uma relação. Hoje, não duraria quatro semanas.
Mas hoje foi diferente! Nesta noite eu estou em um bar com alguns amigos, colegas de trabalho e amigos de amigos. Tem a Lia, minha alma-gêmea, tem a Joane, o Gerson, o Fred e outros que não lembro os nomes e rostos, até o Tom, meu vizinho idiota. Tem música ao vivo, embora não consiga identificar quais são devido ao tédio que estou sentindo. Gostaria de estar em minha casa, lendo um livro sobre pessoas em um bar. Parece mais interessante ler sobre o assunto do que vivê-lo. Não ouço direito as conversar, mas sei que são triviais: novelas, quem está pegando quem, quem traiu quem, mais novelas, futebol, receitas, rola todos os assuntos que não me interessam. Na verdade não sei se algum assunto me interessa, já que há tempos estou nessa de não interagir com outro ser humano, além de algumas poucas palavras, como os “bons-dias” e “boas-noites” inevitáveis. Fica difícil escutar o que estão falando. Primeiro porque estão bêbados e as palavras saem estranhas. Segundo porque a música que não identifico está muito alta. Terceiro, porque os grupos das outras mesas também têm que gritarem com seus amigos para serem ouvidos. Eu canso, eu bufo, eu rezo pra Deus me tirar dali, mas dependo da carona de um amigo para ir pra casa. É tarde e a violência tomou conta das ruas. E sou meio paranóico com isso. Sempre penso na minha morte, mas não quero que seja durante um espancamento ou sessão de tortura. Prefiro algo rápido, como um raio ou um ônibus. Decido fumar. Estou tentando parar, mas numa situação dessas até o Papa usaria o cigarro como desculpa para sair pra rua. Bendita lei anti-fumo em lugares fechados. Grito para meus amigos, eles não ouvem, então mostro o cigarro e o isqueiro, e aponto para a rua. Eles parecem entender, pois confirmam com a cabeça. Nem sei por que me dei o trabalho de avisar. Poderia ter saído, pego um avião para Paris, pulado da Torre Eiffel que eles nem notariam. Mas é bom avisar. Vai que sou seqüestrado e nunca mais encontrem meu corpo! Pelo menos poderão dizer: ele saiu para fumar um cigarro e nunca mais voltou!
Estou na rua fumando, e mesmo assim o ar parece mais puro que dentro do bar. Escoro-me na parede, com as costas numa janela de vidro enorme, para que quem passe na rua observe o quanto às pessoas naquele bar são felizes e tem amigos, por estarem bêbados, é claro! A porta do bar se abre e um rapaz sai, e também acende um cigarro, também se escora na parede, também bufa. Talvez também tenha rezado, nunca vou saber. Parece estar tão entediado quanto eu. Então percebo que havia visto ele lá dentro, sozinho, escorado no balcão, bebendo lentamente uma cerveja, e me observando algumas vezes. Arrisco e pergunto:
- Eu te conheço de algum lugar?
- Lá de dentro. – ele responde.
Dou um sorriso amarelo e pergunto se antes disso ele já me conhecia.
- Não, não você, mas alguém igual á você!
- Tipo um clone? – pergunto irônico.
- Não, tipo alguém muito importante para mim que morreu há um ano!
Fico sem reação! Peço desculpas pela brincadeira e o quanto lamento a perda dele.
- Seu parente? - pergunto
- Não, meu namorado...
Vejo uma lágrima tentando não cair dos olhos dele, vejo a minha cara de espanto tentando não se mostrar á ele. Ele sorri, mesmo com a lágrima ainda lá, ele sorri. O cigarro já acabou, e ele acende outro, eu não, estou parando, informo á ele, que sorri de novo.
Falamos de coisas triviais. As mesmas coisas que meus amigos estavam falando á pouco: do tempo, de como o ano passou rápido, e ele diz que pra ele um ano foi como uma década no inferno. Droga! Havia me esqueci do ocorrido e citei o “um ano” sem querer. Agora que ele seguiu o assunto, eu crio coragem e pergunto o que aconteceu.
- Estávamos juntos há três anos e então, um dia, sem mais nem menos, ele disse que não dava mais. Que estava cansado de ser um segredo pra mim. Na época eu tinha medo, ou vergonha, não sei, então não saia com ele, nem contava pra ninguém que estava namorando. Ninguém sabia ainda que sou gay. Nos encontrávamos todas as noites, no meu apartamento ou na casa dele, mas sempre em segredo. Então ele cansou. Disse que ia procurar alguém que não tivesse vergonha dele, que não visse ele apenas como um pedaço de carne, um buraco pra enfiar algo dentro. Deus, eu não tinha vergonha dele. Minha vergonha era de mim! Nunca o vi como um objeto para me dar prazer. Eu o amava, de verdade, mas era covarde! Então ele saiu chorando. Acho que acelerou demais o carro pra me deixar pra trás mais rápido, e acabou errando uma curva. Dizem que ele não sofreu. Claro que não. Sofre quem fica!
- Eu sinto muito mesmo! – interrompo – Mas acho que você não deve se culpar. Foi escolha dele ir embora... Se não fosse por esse motivo, seria por outro. Quando chega a hora, não há como evitar.
- Eu sei, já superei um pouco isso da culpa, mas ainda dói quando penso, e quando penso em seguir em frente, lembro que ele não vai poder ir á lugar nenhum, que está enterrado, morto, como o meu coração!
- Lindo isso... É de algum livro? – pergunto tentando mudar o assunto, ou amenizar.
- Não, não é. Saiu agora sem pensar! Devoro livros, mas raramente lembro frases para citar – ele sorri enquanto fala isso. Ponto pra mim! O assunto mudou.
Entramos no bar, mas não volto para meus amigos. Vamos para uma mesa, pedimos cerveja e começamos a conversar sobre os livros que ele “devorou” e os que eu devorei. Sobre os filmes que nos marcaram, sobre as músicas do nosso tempo que não fazem mais iguais. Descubro que ele em quase minha idade: eu 36, ele 33. O assunto evolui para filosofia, religião, família e sexualidade. Tudo sem nos aprofundarmos na vida pessoal um do outro, mas tentando descobrir nas entrelinhas algo sobre aquele estranho que agora é mais meu amigo do que muitos sentados na outra mesa. Eles nem notam que voltei. Meu corpo poderia estar esquartejado, jogado na lixeira atrás do bar e eles não saberiam. Mas meu corpo estava ali, mais vivo do que nunca!
O tempo pareceu parar e conspirar a nosso favor. Conversei com ele em algumas horas mais do que conversei a vida toda com meus colegas de trabalho. Meus amigos me notaram. Alguns dão um aceno. Eu aceno de volta. Outros estão se levantando, pegando a carteira e indo pro balcão. A noite chegou ao fim. Minha carona está indo embora. Ele não se oferece para me levar mais tarde, nem pede pra eu ficar um pouco mais. Meus amigos saem e ele me puxa para perto. Achei que fosse me beijar, mas não, apenas sussurrou: “Vamos nos encontrar de novo?”, e eu tremendo digo “Sim!”. Então ele solta meu braço, o movimento todo em câmera lenta... À medida que o braço dele cai e se afasta do meu, uma luz forte vem em minha direção, mas atrás dele. Então percebo... É difícil, mas acontece... Percebo que estou acordando de um sonho. Uma sensação horrível me invade, grita pra mim não acordar, não posso, preciso saber como encontrá-lo... Mas acordo, e tudo some: o bar, a luz, ele, e a melhor noite da minha vida, que aconteceu enquanto eu estava dormindo.
Fico ruim o resto do dia. Nem parece que tive um sonho bom, mas sim o pior dos pesadelos. E não é verdade? Sonhar com alguém que não existe e que nunca mais vou encontrar? Era isso o que eu pensava... Até nosso segundo encontro!
* SEXTA-FEIRA, ás 22h40min, o 2º cap. de Encontros estará disponível. Será que Frank vai encontrar o "homem do sonho"? Outros personagens se juntam nessa história que apenas começou...


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