Capítulo
VII
Sete
Vidas
(Seven
Pounds – 2008 – Dir.: Gabriele Muccino)
Em outra vida, Robert foi
um gato. Tenho certeza. Após o socorro médico, ele acordou como se nada tivesse
acontecido, como se não tivesse morrido por alguns segundos, e até melhor do
que antes. Já eu, bem, eu só levei uns pontos na testa porque bati forte no
chão com o desmaio. Agora tudo estava normal, menos o fato de Robert ter
revelado que foi empurrado pela janela. Não me atrevi a tocar no assunto. Podia
ser delírio, um sonho, qualquer coisa. Iria falar com Vera quando ela chegasse.
Longas sete horas de espera, com muito café, cigarros e leituras. Continuei com
A Insustentável Leveza do Ser e Robert me interrompeu, perguntando se não tinha
nada do Nicholas Sparks.
- Tá de brincadeira não é, Robert? Acho que teu cérebro
foi afetado com a queda. Nicholas Sparks? Se um dia tu me ver lendo um livro
dele, atire em mim, duas vezes, e depois queime o corpo, e o livro.
Ele
riu, e vi o riso do cara do segundo sonho. Merda! Estou ficando paranoico.
Ainda bem que Robert acordou animado, conversamos muito e uma forte amizade
surgiu ali.
De manhã bem cedo, Liliam veio ver o filho, e ao ficar á sós comigo
pediu que se Trevor fosse visitar Robert, que eu não os deixasse sozinhos. Não contive
a curiosidade e perguntei o motivo, e me arrependi. Entre lágrimas Liliam me
contou sobre o que Trevor fizera ao seu segundo filho, Carlos, o bebê. E disse
mais: que desde o acidente de Robert, Trevor vem se irritando facilmente com o
filhos, dizendo que um fracote, um maricas, que merecia outra pancada na cabeça
para se interessar por outra mulher. Na noite da festa, Trevor perguntou onde
Robert estava, e temendo que o filho estivesse se encontrando com um homem,
saiu á sua procura. Disse que preferia um filho morto do que servindo de
mulherzinha para outro homem.
- Você acha que Trevor seguiu Robert e ficou esperando
uma oportunidade para empurrar o filho pela janela? – perguntei atônito.
- Não sei, tudo é possível. Trevor sempre acha que pode
resolver os problemas na violência. Ele até disse que Vera estava pagando seus
pecados com o câncer, e que logo ele iria começar a tratar de Tiago, que nada
como um grande susto para tirar ele das drogas. Mas porque perguntou isso? Sabe
de algo que eu não sei?
- Não, claro que não. Mas você devia ir á polícia,
Liliam. – sugeri.
- Não posso ir. Na época confirmei a história do “sequestro”
de Carlos. Fui cúmplice. E isso vem me matando aos poucos. Essa culpa. Além do
mais já passou tanto tempo... Não quero perder mais nenhum de meus filhos, mas
vejo tudo desmoronando... – disse chorando e correu para o banheiro.
Alguns
minutos depois da saída de Liliam, troquei de turno com Vera. Contei tudo para
ela. Não era hora para segredos. Vera, assim como eu ficou petrificada, mas
também acha que Robert possa ter tido uma alucinação.
- Desde o acidente, onde ele fraturou a cabeça, ele tem
algumas alucinações, sensações de estar sendo seguido, e algumas vezes ele jura
ver a noiva e até conversa com ela. Talvez ser empurrado tenha sido um motivo
que ele inventou para não julgarem ele como um covarde – me explicou Vera;
- Pode ser. Mesmo assim vamos montar guarda. E como foi
a primeira noite de babá com o Tiago? – perguntei para mudar o assunto.
- Um inferno! O remédio fez ele dormir, mas ele gritava,
se retorcia e suava feito uma vertente de água. Uma hora estava até encolhido
no canto do quarto tremendo. Acho que o nível de dependência dele é maior do
que imaginava. Agora vou subir. Beijos meu amado.
Nos
dias seguintes seguia a rotina de Vera e Lia durante o dia, e eu a noite.
Robert estava se recuperando muito bem, conversava normalmente, mas nunca mais
falou sobre a noite que caiu da janela. Joane e Donnie se mudaram para o
apartamento novo. Gerson resolveu se entregar á bebida, ainda não superava não
poder mais ter Joane. Vera começou a sentir os efeitos da quimioterapia, e
parou de trabalhar. Nosso chefe, um anjo de pessoa, manteve ela no quadro de
funcionário e manteria o pagamento, mesmo se ela faltasse a maior parte dos dias.
Gerson continuava trabalhando, mas a bebida já começava a atrapalhar seu
desempenho e os atrasos eram frequentes. Fred do Telefone dava muitos conselhos
á ele, mas seguindo a orientação de Gina ele se afastou quando Gerson começou á
ficar meio estúpido. Parecia outra pessoa. Um dia agrediu Steve do RH porque
esse entrou com os pés sujos no banheiro. Steve não falou nada ao chefe por
pena, mas nunca mais se aproximou de Gerson. André me procurou novamente, no
meu apartamento, mas como não atendi, ele foi bater no apartamento de Tom,
quando ouviu o latido de Dexter.
- Posso te ajudar cara? – perguntou Tom, fingindo não
saber quem era. Eu havia contado tudo pra ele. E ele aceitou me ajudar.
- Sim, eu procuro o Frank. Ouvi o latido do Dexter. Ele
está ai? – perguntou André.
- Sim, o Dexter está. E o Frank também, mas ainda está
dormindo. A noite foi longa, você me entende? – disse sorrindo. – Mas posso
avisar que você esteve aqui quando ele acordar. Qual seu nome?
- André. Mas deixa pra lá. Só queria ver como ele
estava.
- Ele está bem André. Aliás, estamos muito bem. Até
mais. – disse fechando a porta.
André foi embora, e pra minha sorte não voltou nos dias
seguintes. Tom foi incrível.
Minha
mãe não me procurou mais. Tom continuava cuidando de Dexter durante á noite e
boa parte da manhã, mas quase não nos víamos, pois eu dormia de dia. Comprei um
livro do Nicholas Sparks para ler pra Robert. Nossa amizade estava ficando mais
forte. Ríamos juntos, confidenciávamos coisas um ao outro, chorávamos, mas
nunca toquei no assunto sobre ele ter sido empurrado ou não. Não queria
estragar as ótimas noites que passávamos juntos. Algumas vezes levava filmes e
nos divertíamos a madrugada toda vendo filmes de terror e comédias.
Vera,
um dia após chegar em casa do hospital, quase morreu. A maioria de seus
eletrônicos haviam sumido. Depois de chamar a polícia e tudo o mais, ligaram
pra Tiago, que confessou ter vendido os objetos para pagar seu traficante, ou
então seria morto, e que não poderia voltar pra casa. Infelizmente não saberiam
dele tão cedo. Liliam ficou arrasada, vendeu a casa e foi morar com Vera para
cuidar da filha e de Robert, que iria ficar com elas após dar alta no hospital.
Trevor continuava na casa do irmão, ainda remoendo a raiva pela família. Ele
não aceitava o fim de algo que ele lutou tanto para construir. Culpava Liliam e
os filhos pela sensação de fracasso que sentia, sem saber que o culpado de tudo
era ele mesmo, por não enxergar a necessidade dos outros.
Joane e
Donnie estavam radiantes para a última semana de solteiros. Algumas vezes eu os
via no hospital, mas não sentia nada. Donnie passou a ser apenas mais um amigo
que encontrei. Era evidente que ele não era o cara do sonho. Cada vez me
convencia mais que talvez fosse mesmo Robert. O fato do pai dele achar que ele
era gay, de perder a noiva em um acidente de carro, como o cara falou no
primeiro sonho, e a grande afinidade que surgiu entre nós dois. Aprendi a
gostar de Nicholas Sparks e ele de Milan Kundera. Comecei a me divertir com as
comédias dele e ele curtiu a tensão dos meus filmes de terror.
Mais da
metade de minhas férias já haviam se passado e eu estava acostumado com essa
rotina de passar as noites com Robert. Contava as horas para ir ao hospital, e
faltava um dia para ele dar alta. Eu estava angustiado com isso. Ele não ia
mais precisar de mim. Por isso cheguei mais cedo e flagrei Lia no pátio tomando
uma lata de cerveja.
- Desculpe amigo! Eu precisava me refrescar. Esse
hospital é uma sauna. Deviam mudar o nome pra SPA, porque tu queima horrores de
calorias lá dentro – reclamou.
- Perdoada, até porque você agora está livre desse SPA.
Amanhã nosso querido amigo vai embora – brinquei.
- Frank, eu preciso te perguntar uma coisa. Andei
pensando muito em você e Robert. Também andei conversando muito com ele nesses
últimos dias. Vocês tem muito em comum, se tornaram grandes amigos, ele é fofo,
você eu amo... Você tem certeza de que não é ele mesmo o cara dos seus sonhos,
ou que poderia dar algo entre vocês? – perguntou séria.
- Claro que não Lia! Robert é hétero. Tinha uma noiva.
Temos muitas coisa em comum, mas não chega á tanto – menti. Ainda precisava ter
certeza de algumas coisas antes de contar pra ela que concordava com tudo que
ela disse e torcia pra que algo surgisse entre mim e Robert – Mas porque a
pergunta? Você não está tentando bancar o cupido não, né sua louca?
- Não, nada disso. É que aconteceu algo inusitado e não
sabia como te contar. Numa manhã dessas, eu e Robert nos beijamos e acho que
estamos apaixonados. Não te contei antes porque não queria te magoar, caso você
tivesse alguma esperança com ele. Mas Frank, á alguns dias, eu e o Robert
estamos namorando! Não é surreal? – disse super animada.
Surreal
demais para mim aguentar. Meu Deus, o que
está acontecendo com minha vida?
* Sexta, ás 22h40min essa montanha-russa que virou a vida de Frank continua. Não perca!
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