MULHER DE VERDADE – EPISÓDIO 5
“A FACE OCULTA DE ANNE”
ESCRITO POR:
Swylmar Ferreira
ADAPTADO POR:
Lucas Silva
PERSONAGENS DESTE EPISÓDIO:
Jhon
Duque
Wilfred
Anne
Pierre
Texto Literário
Os corredores do castelo pareciam
ficar cada vez mais estreitos e escuros enquanto eles corriam em perseguição a
uma das criaturas que ali habitava. A sujeira e a umidade das paredes causavam
repulsa e ânsia de vômito em John, e ele acreditava que o mesmo acontecia a
seus dois companheiros. Isso sem falar dos corpos putrefatos e despedaçados
resultantes das duas últimas tentativas de tomar o Castelo de Marfim, que
provavelmente serviram de repasto aos homens e orcs monstruosos que residiam
ali.
– Maldito lugar – disse Wilfred de
Morne enquanto corria – temos que acabar com essa criatura. Aquilo foi pelo
corredor da esquerda. Tenho certeza.
– Rápido – Pierre de Saint Bertrand
exibia um corte profundo no lado esquerdo do rosto, que mesmo depois de horas
ainda teimava em gotejar sangue sobre a cota de malha e o blusão de couro. Como
sempre, estava mal-humorado. Para dizer a verdade John, nunca o havia visto
sorrir, exceto quando bêbado em intervalos de guerra.
Um grito fez com que apressassem o
passo. Era fino e sofrido, como se uma adaga entrasse no pescoço de alguém.
Então um segundo, um terceiro grito e o silêncio final. Sabiam que alguém havia
morrido, mas quem?
Sabiam que seu comandante, o Duque
de Horze, havia sobrevivido. Ele teria alcançado e dado cabo do monstro?
Durante a corrida, a ponta da lança
que trazia atravessada às costas prendeu em uma das extremidades do corredor, fazendo
com que John Sanctorun se esborrachasse no chão pedregulhoso. Falando um
palavrão em sua língua mater, imediatamente se levantou, olhou rápido para sua
arma predileta, agora quebrada, apertou os lábios em sinal de desaprovo, jogou
de lado a ponta da lança que o acompanhava há anos e continuou a correr na
direção dos outros homens.
Sacou as duas adagas que levava na
cintura quando o breu se tornou completo e foi tateando com as mãos e pés até
enxergar uma frágil iluminação no final do corredor. Gritou o nome de seus
companheiros de armas e escutou seu nome ser chamado por eles. Caminhou mais
alguns metros e viu uma luz amarelo avermelhada.
O salão era grande, um quadrado com
mais de vinte metros de cada lado e na parede à frente dele três enormes espelhos
triangulares vermelhos dominavam o ambiente. Um quarto, despedaçado, formava o
que outrora fora uma pirâmide. No teto, dezenas de vãos livres por entre as
pedras permitiam a entrada da frágil luz do sol. Havia pilares vermelhos de
pouco mais de um metro espalhados pelo chão do lugar, dezenas deles. No solo, o
homem que servira de exemplo a todos, o líder dos caçadores das criaturas que
habitavam o Castelo de Marfim, Conrad de Horze, estava morto.
– Minha nossa – John estava pasmo –
nunca havia visto aquilo antes.
Wilfred passava a mão pelos
milhares de fios finos que dividiam o salão na forma de uma cortina de luz
avermelhada, empurrava-os tentando penetrar no ambiente hostil e sentia que
seus braços se emaranhavam neles, dando-lhe a sensação de cair em uma teia gigantesca
de aranha. Saint Bertrand atacava inutilmente os fios, tentando inutilmente
cortar os finos objetos luminosos com sua espada, até uma risada tétrica ser
ouvida perto da pirâmide espelhada. A última criatura surgiu por trás da
pirâmide e deu alguns passos em direção a eles, era um elfo?
– Cuidado! Não olhem para esse
demônio – Saint Bertrand virou-se e cobriu os olhos com a mão – vai
enfeitiçá-los.
Wilfred virou-se de costas e
colocou a espada para baixo, formando uma cruz que apontou para a criatura.
Ela tirou um arco das costas,
apanhou uma flecha na aljava, apontou para John, que estava paralisado, e
disparou.
A flecha voou poucos metros por
entre os milhares de fios até ficar estacionada no ar, presa pela cortina de
fios muito finos que reluziam a luz já cambaleante do sol, dos archotes acesos
e os reflexos vermelhos dos espelhos.
– Vê? Não vão passar.
Era uma mulher, uma elfa.
– Armas não passarão pelos fios.
Daqui só existe uma saída cavaleiro, e é por dentro da pirâmide espelhada.
Bruxaria, pensou John. Bruxaria
como a contada por De Horze meses atrás e vivenciada por todos nos últimos
dias. Lembrou-se do gigante de duas cabeças que sistematicamente atacava nas
madrugadas o acampamento dos soldados. Acontecia durante os dias de cerco,
matando dezenas de homens. Hordas de orcs canibais seguiam o gigante e
arrancavam as cabeças dos derrotados, levando junto suas almas para o inferno.
Existiam ainda monstruosos cães do
submundo, que destroçavam os incautos, e o terrível dragão negro que em seus
voos noturnos, com seu bafo maléfico e mortal, tirou a vida de tantos homens.
Um calafrio percorreu seu corpo ao lembrar-se do elfo de chifres, que ele mesmo
viu atacando as torres comandando um grupo de elfos de olhos vermelhos
brilhantes, orcs e homens.
– Quem é você? – John finalmente
conseguiu raciocinar depois do terror que vislumbrou – ou o que é você?
Ficou observando enquanto a
criatura sentava em um dos pilares e retirava o elmo, permitindo finalmente que
John observasse os olhos pequenos e agressivos sem sobrancelhas. As orelhas
pareceram-lhe pontudas, e a pele suja sugeria que sua cor era levemente azul
acinzentada. Havia apenas um tufo de cabelos negros sujos de lama e carvão,
amarrados na parte de trás da cabeça. Olhou outra vez para o rosto da mulher,
que dessa vez o encarou e sorriu levemente.
– O que é você, pergunto eu – disse
a criatura com voz estridente e fina.
Ainda sentada, retira as botas e
coloca os pés no chão, rindo de prazer. Em seguida retira os escudos peitorais
e costais e o cinturão, deixando-os cair ao lado. Por último uma camisa de
tecido fino que fora branca um dia e, por fim, as calças.
– Uma mulher, uma mulher grande.
John, de início, estava meio cego
pelo reflexo dos espelhos e dos fios finos de metal e tecido que caiam do teto
do salão, enchendo-o de luz. Agora estava completamente surpreso. A não ser
pelos dentes pontudos, as mãos e pés com unhas em forma de garras, era uma
mulher, ou elfa, tinha os seios à mostra e ao virar de costas mostrou nádegas
fartas. A surpresa foi tão grande que imediatamente sentiu uma ereção começar
em suas calças. Ela pareceu perceber e John ficou envergonhado.
– Quem é você? – Repetiu ele.
– Covardes – foi a resposta dela.
Ela se abaixou e pegou uma espada
quebrada, a mesma que usou para matar o cavaleiro caído à sua frente.
– Não olhe para esse monstro John –
Saint Bertrand ainda mantinha os olhos cobertos.
– Monstro? Vocês matam toda a minha
gente e eu sou o monstro? – Gritou a criatura enquanto virava de costas e
andava na direção do espelho piramidal. Aproximou-se do lado cujo espelho havia
quebrado. No chão havia um buraco grande no qual ela hesitou em entrar.
John Sanctorun avançou lentamente
pelos milhares de fios de metal e tecido tão finos que pareciam ter luz
própria, livrando-se deles. Àquela altura, já não sabia mais o que era certo e
o que era errado.
O reflexo da luz do sol nos
espelhos vermelhos fazia com que sua visão falhasse e seus olhos doessem.
– Cuidado John, ela está
enfeitiçando você – Saint Bertrand gritava alucinado – é um demônio, não uma
mulher.
John resolveu avançar, mas um vento
furioso entrou pelas frestas junto com o sol e balançou os fios. Ele levantou o
braço com a adaga para proteger os olhos. Estava perto do corpo de Conrad de
Horze, olhou-o e viu que seus olhos tinham sido lacerados, apesar da malha.
– O que aconteceu mulher? Você o
matou?
Ela riu nervosamente e balançou
positivamente a cabeça.
– E mato você também se tentar me
pegar – abaixou-se outra vez apanhando um pano colorido, jogado perto de um dos
pilares, que outrora fora a bandeira do Castelo de Marfim. Enrolou-o ao corpo.
– Não vou – disse John olhando nos
olhos dela. Deu alguns passos para o lado até conseguir enxergar o buraco entre
os espelhos, era por ali que ela tentaria escapar – não faça isso.
Precisava pensar, algo o forçava a
ver com outros olhos tudo o que acontecera nos últimos meses, assim como via a
mulher seminua a sua frente.
Tudo começou com os nobres da sua
vila natal, em polvorosa, gritando sobre um grupo de criaturas vindas do inferno,
que queimaram as plantações e a igreja da localidade. Em seguida, sofreram
diversos ataques, inclusive na capital.
Foi onde surgiu o Duque de Horze.
Dizia que grupos de elfos das trevas e orcs haviam tomado o Castelo de Marfim e
que a população da cidadela fora exterminada e agora era composta de
mortos-vivos, bruxas, ogros, elfos e orcs, que a tudo destruiriam.
Pessoalmente para John tudo mudou
quando, certo dia, chegou em casa, vindo do trabalho e encontrou a esposa
morta. Seus vizinhos disseram que foram as hostes do Condado de Marfim que
haviam atacado a vila, matado os aldeões e queimado as plantações.
Dias depois o Duque de Horze reuniu
diversos cavaleiros e aldeões para seu exército e com mais de mil homens das
aldeias vizinhas marchou por semanas até chegarem à região de pântanos onde se
localizava o inimigo. John estava entre eles. De Horze considerava a guerra que
estava por vir como Santa.
Agora, pensando friamente, começou
a duvidar se os que viu defenderem o Vilarejo e o Castelo de Marfim eram
monstros. Sim, lembrava dos ataques, do cerco e dos massacres de ambos os
lados. Viu seus amigos e companheiros serem mortos em lutas encarniçadas.
Observou um a um os trinta cavaleiros serem mortos em ataques ou em justas
contra cavaleiros do Castelo sitiado, até ser necessário o Duque formar novos
cavaleiros dentre os poucos homens vivos e em condições de fazer um último
assalto. John, que havia se sobressaído nos meses de combate, fora um dos
escolhidos.
– Ela o enfeitiçou John, mas seu
poder se desvanece e o espelho amaldiçoado não consegue mais nos deter –
Wilfred agora andava pelo salão com passos trôpegos afastando os fios com a
espada.
– Ela é apenas uma mulher Wilfred,
nada mais que isso, respondeu. O que a difere das outras é ser uma guerreira,
como muitas das mulheres locais.
– Heresia – gritou Saint Bertrand
cuspindo saliva misturada ao sangue que não parava de sair do ferimento –
heresia, seu desgraçado. Você foi corrompido pelo demônio.
Os dois companheiros de John se
aproximavam cada vez mais, agora que o sol não refletia mais nos espelhos e
apenas uma breve brisa balançava os fios.
Olhou para algo que reluzia no
chão, ao lado da mulher. Era o escudo peitoral que ela usava, o brasão
estampado tinha um leão rugindo e uma lança, pintados. Claro, lembrou-se dela.
Um grupo de ataque, liderado por um cavaleiro, destruiu todas as catapultas e
incendiou as torres de assalto, matando uma centena de homens. À noite, aquele
cavaleiro era tão veloz que parecia ter quatro braços, e chifres. Era o melhor
guerreiro que John já havia visto.
Não podia ser aquela mulher.
– Mate-a John. Mate-a agora, antes
que enfeitice a todos – berrou Wilfred, tentando desvencilhar a espada dos
milhares de fios.
O que John via naquele momento, ao
olhá-la, eram medo e desamparo.
Uma lágrima solitária saiu dos
olhos da mulher, passando pelos lábios trêmulos e parando no queixo. Se não
fosse uma guerreira, teria chorado. Mas não ela, não a última dos guerreiros do
clã do Castelo de Marfim, não aquela que há poucos minutos degolara o Duque de
Horze em combate singular. Ela ficou altiva outra vez, jogou a espada quebrada
na direção de Wilfred, que foi obrigado a cair de lado em cima do morto para
escapar da lâmina. John olhou para ela ainda a tempo de vê-la jogar-se no
buraco entre os espelhos.
Os minutos passaram lentamente,
enquanto os três trocavam impropérios e acusações. Aos poucos a intensidade da
cortina de luz foi se desfazendo, permitindo que os medos dos dois homens se
dissipassem, deixando que se aproximassem da pirâmide de espelhos.
– Alguém tem que ir atrás dela –
Saint Bertrand ainda parecia enlouquecido de ódio – se ela voltar vai matar a
todos e destruir nossas cidades. Um de nós tem que ir.
– Eu não vou – Wilfred estava
transtornado de medo – eu tenho mulher, filhos.
Ambos olharam para John que fitou o
rosto dos dois companheiros sem piscar. Por que ele deveria ir, pensou.
– Quem garante que ela vai voltar?
– Perguntou.
– Não é a primeira vez que essas
coisas aparecem John. Ouvi o Duque contar que o bisavô dele lutou contra um
grupo de criaturas como essas e que haviam desaparecido numa nuvem de enxofre –
respirou fundo antes de continuar – agora esses voltam e tomam o Castelo de
Marfim. Eu tenho família e Pierre tem uma noiva em sua vila.
John olhou para a pirâmide de espelhos,
ainda não convencido de que a mulher voltaria. O medo que sentia era terrível,
tremia da cabeça aos pés. Será que entraria no inferno? Ou no purgatório?
Estaria o lugar cheio de monstros como os que viram, lutaram e mataram nos
últimos dias do cerco? Sentia a cabeça zonza e voltou a pensar: eram monstros
ou homens?
– Eu vou.
– Tire suas roupas e me dê as armas
– Wilfred estendeu as mãos – Se a criatura pulou nua, deve fazer o mesmo.
John ia perguntar o porquê mas
desistiu. Já não tinha elmo há muito tempo, retirou a túnica e a cota de malha
e as jogou ao chão, ao lado das roupas da mulher. Entregou as duas adagas, o
machado e a espada a Wilfred. Olhou nos olhos do homem a sua frente.
– Se eu morrer, ao menos morro como
cavaleiro. Jure dizer a todos que nós fomos armados cavaleiros por Sir Conrad.
Jure! – Olhou para Saint Bertrand – Jure! Os dois juraram uníssonos.
– Se não voltar em um dia,
destruiremos os espelhos – Wilfred falou baixo ao abraçá-lo – boa sorte meu
amigo.
Colocou primeiro a mão na superfície
do espelho à frente, inclinou-se e olhou para o buraco negro protegido pelos
três espelhos. Jogou-se.
Sentiu penetrar na superfície de
algo, como se fosse água. Em seguida mãos e braços agarraram-se a seu pescoço,
e por fim sentiu-se puxado para o fundo, como se estivesse em um lago viscoso.
Pouco tempo após John Sanctorun se
jogar no buraco, Pierre de Saint Bertrand começou a examinar o salão. Nem ele
mesmo sabia o que procurava, até achar um saco cheio de moedas e barretes de
prata e gritar de alegria, mostrou ao companheiro e levou o pacote até a porta
de entrada do salão. Wilfred de Morne não parecia interessado em nada, apenas
observava o buraco por onde John entrara.
– Ele não vai voltar, não é? –
Perguntou ao outro homem.
– Não – Saint Bertrand se aproximou
lentamente sorrindo e passando as costas da mão no ferimento que aparentemente
ainda doía – Ela o enfeitiçou. Ele entrou em uma porta para o inferno e já deve
estar morto há essas horas. Precisamos tampar aquilo antes que algo saia de lá.
Mas como?
Wilfred sabia que a elfa havia
enfeitiçado seu companheiro e sabia também que Saint Bertrand tinha razão em
querer fechar o buraco.
– A coluna – Wilfred apontava para
as paredes laterais com uma coluna cada que, junto à parede do fundo,
sustentavam um dossel.
– Derrubamos uma e a outra cairá,
destruindo os espelhos e fechando a abertura.
Os homens sorriram, afastaram os
fios de tecido e metal que desciam do teto, pegaram uma massa de guerra cada e
puseram-se a fazer o que haviam se proposto.
John ainda lutava para se manter
acima da água revoltosa do rio subterrâneo em que se encontrava. Conseguiu
pegar a mulher e juntos enfrentaram a escuridão, o fedor e o medo, por longo
tempo, até saírem em uma caverna rasa e bem iluminada a quilômetros do Castelo
de Marfim. Ele perdeu a noção do tempo em que ficou na água, até conseguir
chegar à margem, sair e ajudá-la. A mulher estava arrasada, deitada de frente.
Arfava e vomitava água enquanto chorava.
John a observava. Parecia que a
água do rio havia limpado sua pele. Via apenas uma mulher comum, não o monstro
que pensou ter visto durante o cerco. Anoitecia e ele sabia que não era seguro
sair dali e procurar ajuda, então arrancou vegetação da beira do rio e a cobriu
depois que ela dormiu pesadamente. O que mais o medo fez para que ele se
enganasse, pensou enquanto deitava a lado dela, recuperando as forças.
No fundo de sua mente veio uma
pergunta que rápido desvaneceu. Estaria enfeitiçado?
Acordaram no dia seguinte e após
uma breve conversa decidiram que o melhor jeito de sobreviverem seria ficando
juntos, ao menos por certo tempo. Então, foram para longe da estrada a procura
de alguma vila ou casebre cujos habitantes pudessem ajudá-los. Depois de várias
horas, a única casa que encontraram estava abandonada e semidestruída. Seus
moradores provavelmente haviam saído às pressas, por medo das batalhas que
ocorriam perto dali. Arrumaram roupas simples masculinas, se vestiram do melhor
modo que conseguiram e se puseram a caminho. No final da tarde estavam perto da
estrada quando John avistou dois cavaleiros em suas montarias, puxando uma
carroça cheia de objetos.
– É o butim – falou enquanto
observava a raiva estampada no rosto da mulher.
– Ladrões – ela o olhava nos olhos
– é o que eles são. Se eu tivesse uma espada…
Ficaram olhando Wilfred e Saint
Bertrand desaparecerem estrada à frente. Ficaram ali até se sentirem seguros
para continuar sua viagem.
Ao anoitecer chegaram a uma fazenda
cuja casa havia sido queimada, restando um curral abandonado. Ela fez
rapidamente fogo enquanto ele conseguiu alguns nabos e rabanete na horta
abandonada e fez uma sopa rala para comerem.
John estava curioso, tinha que
fazer algumas perguntas a ela. Então, com muito jeito, perguntou sobre as
criaturas e os soldados do Castelo. Ela riu divertida e contou que o medo era o
principal aliado do Conde de Marfim.
– Conte então o que eram o dragão
que cuspia fogo nas torres e o gigante de duas cabeças que havia visto nas
noites do cerco que antecederam à queda dos muros do Castelo.
– Nunca existiram dragões, é
ridículo! Eram apenas fardos de óleo ferventes embalados em couro e jogados das
catapultas que ainda funcionavam, na direção das torres de assalto. Quanto ao
gigante, eram apenas dois soldados, um homem normal e um anão, que se vestiam
daquele modo e armados de espadas durante a madrugada levavam o terror aos
covardes que cercavam nosso castelo.
Ele tinha dúvidas e ela sabia
disso. Ficaram em silêncio por algum tempo olhando o fogo.
Do lado de fora uma das matilhas de
lobos das trevas que conseguiu passar pelo cerco dos homens, andou apressada
todo o dia desde que sentiram o cheiro de sua mestra. Agora, no início da
noite, mesmo esfomeados, aguardavam a convocação.
Ela sorriu quando percebeu que John
a olhava, sabia o que ele queria. Gostou dele desde o primeiro momento que o
viu, e precisava dele. Fora casada duas vezes e seu último marido morrera já
havia algum tempo. Nunca teve filhos.
Continuou olhando o homem sentado à
sua frente. Todos os que ousaram enfrentá-lo em combate morreram. Ela era a
última da sua linhagem, e não deixaria sua espécie desaparecer. Se tivesse que
ter filhos, seriam dele.
Deixou que ele tomasse a
iniciativa, permitiu que tirasse suas calças e a penetrasse. Fizeram amor
violentamente.
Gostou dele.
– Como é seu nome – perguntou John,
olhando seu rosto enquanto se amavam.
– Annie.
John dormiu pesadamente aquela
noite. Não viu quando a matilha de lobos enormes chegou à entrada do curral.
Muito menos quando Annie levantou ainda nua. Seus olhos vermelhos brilhavam no
breu fazendo que os lobos se submetessem à sua vontade, a vontade da rainha dos
elfos das trevas. Então ela disse:
– O humano… é meu.
Fim
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