Capítulo
VI
Vozes
Do Além
(White
Noise – 2005 - Dir.: Geoffrey Sax)
Quando
Lia me contou eu não consegui acreditar. Joane e Gerson tinham um caso! Joane
traia Donnie e agora estava grávida! Ela e Gerson imploraram para Lia e Vera
não contar nada para ninguém. Foi Vera quem decidiu:
- Nunca contarei que vocês dois tiveram algo. Mas você
vai ter esse bebê e falar que é de Donnie! Mas se matar essa criança, quem
acaba com sua vida sou eu!
Gerson ainda
quis protestar sobre seu filho ser criado por outro, mas ficou decidido que
Joane faria exatamente o que Vera mandou, para evitar o escândalo de terminar o
noivado nas vésperas do casamento, grávida de um faxineiro, e ainda por cima
perder o emprego, já que relações do tipo eram proibidas na empresa. Gerson
desconsiderou o fato dela chamar ele de faxineiro e falar que nunca trocaria
Donnie por alguém sem futuro. Ali ele viu que não tinha futuro com ela e o
melhor era se afastar. E foi o que fez. Contou tudo á Fred e juntos foram beber
no FRIENDS, onde Lia e Vera iriam mais tarde enquanto eu cuidaria de Robert.
Fui
para casa pegar umas roupas e um livro para ficar com Robert. Ao chegar, ainda
na calçada vejo uma mulher chorando vindo em minha direção: minha mãe! Não estava
pronto para aquilo, não hoje, nem esse ano. Enquanto ela vinha, ouvi meu nome
ser gritado do outro lado da rua: era André, saindo do carro e se preparando
para atravessar a rua. Os dois se olharam. Minha mãe e André. Foi por causa de André
que fui expulso de casa como um animal selvagem pelos meus pais. André e minha
mãe se odiavam. Quando contamos á eles, eles me expulsaram e então fui morar com André,
mas devido ás suas traições e depois a separação, eu me mudei para onde estou
agora e André voltou para a casa dos pais deles, ainda “no armário”.
Ao se
reconhecerem, André voltou para o carro, e minha mãe baixou a cabeça e voltou,
indo embora. Eu não fui atrás de nenhum. Ainda estava processando aquela dupla
surpresa e não queria mesmo falar com nenhum dos dois. Quem me acordou do
transe foi Tom.
- E aí? Encontrou a coroa que te procurava? O que fez?
Partiu o coração dela? – perguntou.
- Não, quem partiu meu coração foi ela. Ela é minha mãe.
– respondi, já entrando.
- Desculpe cara, eu não sabia. Nossa, você é mesmo
problemático! Um imã para tragédias. Não dá pra fazer uma brincadeira contigo
que me dou mal! O que aconteceu? Posso ajudar? –perguntou, e mesmo sério, ele
ainda fica engraçado.
- Sim, pode. Me dá um tiro enquanto durmo? – brinquei, e
ele riu. Nos separamos quando ele entrou no elevador e eu subi pelas escadas.
Lá em cima ele ainda gritou antes de fechar a porta que eu poderia chamá-lo se
precisasse de algo além de um tiro.
Chegamos
ao meu primeiro dia de férias, e meu segundo dia como enfermeiro de Robert. O
que ele pensou antes de pular? Perguntei isso á ele, baixinho no ouvido, mas
ele, lógico, não respondeu nem deu sinal de ter ouvido. Mesmo assim, eu lia em
voz alta meu livro, para caso ele pelo menos pudesse ouvir, não ficar ouvindo só
minha respiração tensa depois de ver André e minha mãe.
Joane
contou a Donnie da gravidez e ele ficou mais feliz do que ela esperava. Já
começaram a procurar um apartamento maior com um quarto para o bebê. Vera
começou a quimioterapia, e foi obrigada a contar aos pais sobre o câncer, que
antes era segredo. Liliam chorou, Trevor, que ainda não havia saído de casa,
não falou nada. Talvez tenha ficado aliviado, pensou Vera, por se livrar da
filha vadia. Tiago chorou muito e Vera fez um proposta á ele:
- Talvez tenha alguns meses de vida ainda. E você logo
fará 18 anos, precisa fazer algo da sua vida. Que tal se tratar numa clínica
nesse pouco tempo que tenho e depois vir morar comigo. Assim, deixo meu
apartamento pra você, já que é bem mais perto da Universidade do que aqui?
Tiago
aceitou, mas tinha medo de ser vencido novamente pelo seu vício. Começou cedo,
aos 13 anos para ser aceito na turma de amigos, da qual faz parte Beatriz, uma
garota que ele se apaixonou e desde então faz o possível para manter o vício
dos dois, seja revendendo drogas e algumas vezes até se prostituindo para
homens mais velhos que encontra em chats na internet.
Lia vem
ao hospital me trazer café e cigarros. Um dia perguntou como era cuidar do
homem dos meus sonhos, então tive que dizer a verdade pra ela, que Robert não
era o cara que eu havia sonhado. Contei o segundo sonho, e que o homem tinha
outro rosto, e falou inclusive que poderia ter um corpo de mulher na vida real.
- Nossa, isso seria confuso! Espero que não seja eu! –
ela brincou. – Não que eu não goste de você. Você é pegável, mas não sei se
faria sexo oral em você depois de saber onde você enfiava seu “pequeno Frankzinho”.
- Quem disse que é pequeno? – ri alto - Não é você, não
se preocupa. Na verdade acho que não é ninguém. Estou apenas me impressionando
com um sonho realista demais.
- É? E se ele ou ela estiver sonhado com você também? –
perguntou.
- É algo que nunca vou saber...
Lia se
despediu e disse que Vera viria de manhã. Á noite li para Robert A
Insustentável Leveza do Ser, meu livro preferido. Mas acabei meio cochilando, e
então ouvi. Sim, ouvi, pois não haviam imagens.
- Sim, eu também estou te procurando. Não sei onde você
mora, não sei quem você é, nem sei se o rosto que vejo em meus sonhos é o seu.
Me espere, não desista... – falou a voz suave.
- Mas você sabe meu nome. Me procure. – respondi, acho
que em voz alta.
- Não lembro teu nome quando acordo, e pouca coisa do
seu rosto, que estava diferente da segunda vez em que nos encontramos em sonho.
Isso é tão confuso pra mim quanto para você, meu querido – disse ainda mais
suavemente.
- E você, como se chama? Onde te encontro? – supliquei.
- Não sei e mesmo se falasse você não iria lembrar, é
assim que funciona, pelo que estou vendo. Não me pergunte porque! E onde me
encontra? Não sei! Onde a vida preparar nosso encontro. Acho que saberemos
assim que nos encontrarmos pessoalmente, ou talvez já nos encontrarmos e ainda
não nos descobrimos. – explicou – Mas eu quero te encontrar. Sinto que minha
vida depende disso, que sua companhia vai me ajudar a superar todos os meus
medos.
- Que medos você tem? – perguntei.
- De morrer sozinho! – respondeu, chorando...
Acordei com um pulo, o coração querendo fugir. Foi um
sonho só com vozes, sem imagens. Precisava de um cigarro e fui pra rua fumar,
pensar nos acontecimentos dos últimos dias e o que eu devo começar á fazer se
quiser tomar ás rédeas da minha vida de volta ao invés de deixar as
circunstâncias me levarem á um lugar onde ficaria cada vez mais difícil sair.
Nessa
noite Tiago já levou suas coisas para o apartamento de Vera. Nas manhãs ele
passaria na escola, ás tardes na clínica fazendo tratamento, terapias e trabalhos
voluntários, e ás noites ficaria aos cuidados de Vera. Seu pai, Trevor arrumou
suas malas e foi para a casa de um irmão. Liliam não chorou. Limpou tudo o que
lembrava Trevor: fotos, roupas, objetos pessoais. Parecia infantil terminar um
casamento de 32 anos por algo tão idiota como uma conversa que ela ouviu sem
querer. Mas não foi esse o motivo. Liliam conhecia bem o marido, e quando soube
o que ele pensava dos filhos, a primeira coisa que passou pela cabeça foi
mantê-lo o mais longe deles. Durante 28 anos ela guardou um segredo, mas com a
reação de Trevor com as dificuldades do filho ela ficou com medo. Muito medo. E
mesmo sem querer lembrou...
Quando
Vera tinha 4 anos, nasceu Carlos, um lindo bebê, porém com Síndrome de Down.
Trevor achou aquilo um absurdo! O que seria deles com um filhos deformado, sem
chance nenhuma de um futuro normal, que traria problemas para eles para sempre?
Liliam não acreditava no que ouvia, mas aguentava calada. Na época dependia do
marido e não podia sair de casa com dois filhos pequenos. Então, em uma noite
acordou para amamentar Carlos e não o encontrou na cama. Desesperada começou a
gritar e chorar. Trevor tapou sua boca para impedir que os vizinhos viessem ver
o que ocorria. Quando se acalmou e implorava para irem á policia, Trevor disse
que a policia não resolveria nada. Ele havia se livrado de Carlos, pois era o
melhor pra família. Liliam desmaiou, e quando acordou nunca mais foi a mesma.
No dia seguinte, ao limpar a garagem encontrou um pá, suja com terra ainda
úmida, e soube na hora como o marido se livrara de Carlos. Por sorte Vera era
pequena e nunca se lembrou de Carlos, pois dois anos depois nasceu Robert.
Liliam e Trevor foram a policia e relataram o sequestro de Carlos, mas o corpo
nunca foi encontrado. E Nunca seria. Ela sabe que quando Trevor quer se livrar
de algo, ele consegue.
Voltei
ao quarto assim que o cigarro terminou. Fui lavar as mãos no banheiro do quarto
e ouvi um barulho. Corri para a cama de Robert e ele estava de olhos abertos.
Levei a mão ao botão de emergência e apertei.
- Robert, você me escuta? – perguntei.
Com grande esforço ele balbuciou algumas palavras.
- Eu... não ... pulei... Fui empurrado...- disse isso, e
então o aparelho que indicava os batimentos do coração pararam no exato momento
em que ele fechou os olhos e eu caia desmaiado no chão no quarto.
* Próxima semana, alguns segredos vem á tona, e mais mudanças acontecem nessa turma que está cada vez mais unida. Quarta, ás 22h40min.
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To pelo próximo EP
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