Capítulo V
Do Outro Lado Da Porta
(The Other Side Of The Door – 2016 – Dir.: Johannes Roberts)
Ouvir aquilo de Vera fez eu me sentir ainda mais culpado por todo o ocorrido na noite anterior. Após alguns minutos de conversa, convenci ela a começar um tratamento para prolongar um pouco mais sua vida e assim poder ajudar Robert, seus pais e Tiago. Julguei Vera erroneamente. Não sabia o que se passava dentro dela. Mas quem sabe? Quantas vezes você já apontou os defeitos e atitudes dos outros sem se perguntar o motivo dele fazer isso? E segundo: o que você tem á ver com o que a pessoa faz? No meu caso, nada! Eu me meti na vida dos outros e por minha causa um jovem pulou de um prédio. E mesmo assim eu ainda pensava em Donnie e no sonho.
Continuei meu dia como um dia normal, embora fosse meu último dia antes das férias. Porém estava um pouco mais preguiçoso e preocupado, por Robert, Vera e Donnie. Deus, como pode tudo ter mudado tanto em alguns dias. Antes não havia ninguém na minha vida, agora tem gente demais para o meu gosto. Não gosto de criar laços, ou tenho medo, não saberia dizer. Após o almoço Vera foi substituir Lia no hospital e Lia veio trabalhar. Robert continuava inconsciente mas fora de perigo. E eu continuava pensando em Donnie. E Vera continuava com câncer. E o mundo seguia girando. E eu só queria que tudo parasse. Voltar a minha vida normal.
Nesse mesmo tempo, enquanto eu trabalhava, uma mulher batia forte na porta de meu apartamento, chorando. Tom estava com uma de suas “amigas” e não foi ver quem era para me avisar depois. Perto do hospital, Tiago, irmão de Vera brigava com outro rapaz por causa de dívidas de drogas. Ele cheira uma carreira e desce do carro batendo a porta.
- Você que não me pague dessa vez Tiago! Eu não vou mais ameaçar, vou fazer, entendeu? Tu é meu brother, mas não posso amolecer com ninguém! – falou o motorista.
E em algum lugar da cidade, André, meu ex, saia da última consulta com seu terapeuta, decidido á mudar de vida. Ele foi até a casa de seus pais e contou para eles toda a verdade sobre sua sexualidade, sem querer ouvir resposta. Ele não estava pedindo permissão, estava avisando. Eles choraram, como todos fazem, mas aceitaram, como muitos não fazem.
- Quem bom saber que tenho o apoio de vocês. Isso é muito importante pra mim. – disse André. – Agora, preciso resolver outro assunto importante: preciso recuperar o amor da minha vida, que perdi por completa covardia.
* * * * *
Após o fim do expediente, combinamos todos de ir visitar Robert, já que ele havia sido transferido para um quarto comum, pois estava muito bem, segundo os médicos. Chegando ao hospital, lá estava Donnie esperando Joane para subirem juntos. Estranhamente, vê-los se beijando e abraçados não me fez sentir ciúmes. Acho que meu encanto não era o Donnie em si, mas o que ele significava e o quanto me fazia lembrar dos meus sonhos. Subi com Fred do Telefone e Gerson do Banheiro, e um casal que certamente são os pais de Robert, Vera e Tiago.
Ficamos todos no corredor, esperando. Só podiam entrar em duplas. Os pais foram os primeiros mas não demoraram muito, e enquanto Lia e Vera entraram, conversei com o casal. O Srº Trevor, pai de Robert estava muito abalado, então a Dona Liliam foi buscar um chá no refeitório para eles.
- Nunca achei que um filho meu fosse tão covarde á esse ponto! – disse Trevor.
Eu não sabia o que falar, aquilo era horrível de se dizer de um filho numa situação dessas, mas lembrei de controlar minha boca depois do ocorrido com Vera.
- Ele passou por muita coisa, talvez quisesse parar de sofrer... – comecei a falar,mas ele interrompeu.
- Não, ele sempre foi assim, mimado pela Liliam. Liliam estragou nossos filhos. Isso é triste de dizer, mas Vera é uma desvairada porque Liliam deu muita liberdade para ela, depois veio Robert e Liliam tratou ele como um vaso de porcelana, um mariquinhas. E por último veio Tiago, que agora anda se metendo com drogas, provavelmente porque Liliam só liga pra Robert e age como se Tiago e Vera nem existam. Tudo podia ser diferente se Liliam me ouvisse – ele falou tudo, sem parar.
Eu ia responder, mas não deu tempo. Ao olharmos para o lado vimos Liliam, pálida, lágrimas escorrendo e duas xícaras de chá na mão.
Enquanto isso Gerson e Fred entraram para ver Robert. Joane e Donnie ficaram pra depois. Vera e Lia chegaram onde eu estava, junto de Trevor e Liliam.
- O que houve mamãe? Está se sentindo bem? – perguntou Vera.
- Não, não estou nada bem. Na verdade, segundo seu pai nunca fui boa em nada. – disse jogando as xícaras ainda cheias no lixo.
- Querida, não sei o que você ouviu...
- Ouvi tudo Trevor! Ouvi você chamando Vera de vadia, Robert de maricas e Tiago de drogado e colocando a culpa toda em mim, como se eu fosse a única responsável pela educação deles. – desabafou Liliam.
Cuidei e vi que Donnie e Joane agora entravam no quarto. Fred e Gerson ficaram observando de longe, como a plateia num Casos De Família ao vivo.
- Querida, eu estou tão abalado como você, mas você me interpretou mal... – Trevor tentou se defender, mas foi interrompido por Liliam.
- Não me chame de querida Trevor. Não sou mais querida pra você á tempos. Sei dos seus casos, e aguentei tudo calada. Mas não vou aguentar você falar mal dos meus filhos assim. Entendi tudo o que você quis dizer, agora veja se você entende o que vou te dizer: Eu quero o divórcio!
Vera saiu, não aguentou todas aquelas revelações. Lia me puxou, como quem diz que agora o assunto era entre os dois. Eles continuaram conversando, mas de onde estávamos não ouvíamos nada. Joane e Donnie saíram e Fred e Gerson colocaram os dois á par dos acontecimentos enquanto eu entrava sozinho para ver Robert. Ele estava tranquilo, nem parecia o mesmo cara ansioso da festa. Olhei bem as marcas nos pulsos, e confirmei mesmo que eram de alguma tentativa anterior de se matar. Ele também tinha cicatrizes leves no rosto e ombros, talvez do acidente que matou Elisa. Lembrei da vez que tentei morrer e também não consegui. Meu Deus, onde eu estava com a cabeça achando que minha morte ia atingir André? Em breve ele estaria feliz por aí com outras pessoas e eu apodrecendo em baixo da terra.
Enquanto estava no quarto, Liliam pediu pra que Trevor fosse em casa pegar suas coisas porque quando ela voltasse, não o queria lá. Tiago, o irmão mais novo de Robert chegou, e era impossível não perceber que estava drogado. Em meu prédio, Tom estava saindo e a mulher que batera a minha porta estava na calçada, e o chamou, perguntando que horas eu voltaria. Tom disse o horário e ela agradeceu, voltando para o lugar onde estava. No meu trabalho, Gina da Secretaria explicava para um André bem eufórico que eu já tinha saído e que não voltaria, pois estava de férias, e que ela não poderia fornecer o meu telefone novo. André desistiu e se dirigiu ao meu apartamento. Ainda no hospital, Lia foi ao banheiro atrás de Vera para dar seu apoio. As duas choravam abraçadas numa das divisórias do banheiro quando ouviram a porta do banheiro se abrir e alguém dizer: “Pára, você está me machucando!”. As duas ficaram em silêncio, para não serem percebidas, e tentaram se encolher ao máximo.
- O que tá acontecendo que você anda me evitando? – sussurrou uma voz masculina, que nenhuma das duas identificou porque estava falando aos sussurros para não serem ouvidos por alguém que passasse nos corredores.
- Você sabe o que está acontecendo. Eu não posso esperar mais. Eu preciso fazer logo esse aborto! – disse a voz feminina.
Vera já estava irritada com tudo o que estava acontecendo na vida dela, e ouvir aquilo deixou-a anda mais furiosa. Uma mãe quer matar seu filho? Quem ela pensa que é? Ela tinha que fazer alguma coisa. Abriu a porta da divisória com fúria e parou, congelou literalmente. Na sua frente estavam Gerson do Banheiro e Joane, noiva de Donnie.
* Cada vez mais as coisas estão se complicando na vida de Frank. Mas para outros, a coisa também está ficando piores. O que vai acontecer? Descubra sexta-feira, ás 22h40min, no Sexto Capítulo de Encontros
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