Capítulo III
Apenas Uma Noite
(Last Night – 2010 – Dir.: Massy Tadjedin)
Uma “despedida de solteiro surpresa”! É lógico que ia dar merda, e deu...
Deixei meu copo de Pepsi cair, dando um banho nas calças de Robert e atraindo a atenção de todos na sala. Por um instante tudo fica parado, como quando se dá um pause em um filme para observar um pequeno detalhe, e de repente tudo volta ao ritmo normal. Fico meio tonto e peço desculpas a Robert, me ajoelho e começo a limpar a calça dele, então percebo o quanto a posição é constrangedora também, e me levanto, sempre pedindo desculpas, como que para manter minha mente ocupada e focada naquele momento, nas calças sujas de Robert e não no homem dos meus sonhos que está na mesma peça que eu, ás vésperas de se casar com minha colega de trabalho.
Lia surge e me salva, como sempre. Vera ajuda o irmão e ambos entram no banheiro para limpar a calça. Joane já está com um pano limpando o chão, e Lia me puxando para a varanda.
- Que fantasma você viu? Você está pálido e tonto! O que aconteceu? É o Robert não é? Rolou a química? Eu sabia! – falava Lia sem parar, empolgada por talvez eu ter encontrado um romance para mim depois de tanto tempo vivendo numa caverna, pensando e remoendo meu relacionamento morto de quatro anos atrás.
- Sim, claro... Eu senti algo quando vi ele, mas acho que ele não sentiu, não sei explicar. Tudo parou e quando vi já tinha molhado as calças dele. – menti, eu sei, é feio. Mas não poderia falar para ela agora, que Donnie é o cara com quem sonhei.
Entramos de volta e fiquei pensando que talvez já tenha visto Donnie na fábrica ao buscar Joane e por isso, inconscientemente sonhei com ele. Não significava nada, apenas o cara do meu sonho precisava de um rosto e o primeiro que o meu cérebro achou foi o de Donnie.
Lia queria tentar descobrir mais coisas sobre Robert, e então foi ajudar Vera e Joane a escolher uma calça de Donnie para Robert vestir enquanto a calça dele secava. Entro no banheiro onde Robert está, novamente para pedir desculpas, e me assusto. Ele começa a chorar e a soluçar feito um bebê e eu não sei o que fazer.
- Feche a porta, por favor! Não quero que me vejam assim! Eu sabia que não devia ter vindo, que ia ser desastroso. Eu não consigo fazer nada direito. – falou ele entre lágrimas.
- Bem vindo ao meu mundo! Jogar refrigerante nas outras pessoas é o meu menor talento. Precisa ver quando não gosto da pessoa. Não há refrigerante o suficiente... – digo tentando fazê-lo sorrir, e dá certo.
As mulheres batem na porta, ele limpa o rosto, abre e Vera entra, eu saio e me dou de cara com Donnie. Deus, meu Deus, me mate agora! Não deixa ninguém notar que estou nervoso. Não deixe ninguém reparar no vermelho do meu rosto como se eu tivesse pegado sol por dias no Saara. Não deixe ninguém ouvir as batidas do meu coração, mesmo que elas pareçam pedras chovendo em um zinco.
- Está tudo bem aí dentro? – pergunta ele, olhando pra mim.
Ele me viu. Será que se lembrou de mim? Será que também sonhou comigo? Será que em algum lugar dentro dele ele sentiu alguma ligação cósmica comigo?
- Sim, ele vai voltar á andar. – respondo tentando parecer tão natural quanto unhas postiças. E então ele sorri, tirando uma carteira de cigarros do bolso e se dirigindo para a varanda. Vou atrás, como um cachorrinho seguindo alguém com um osso.
- Posso te acompanhar? – pergunto como quem não quer nada, e eu devia não querer.
- Claro, é muito melhor fumar acompanhado. O cigarro sempre acaba sendo o assunto principal entre dois fumantes, uma cumplicidade que só quem fuma entende. Joane não fuma.
“Joane não entende!” – penso.
- Mas você não me é estranho... De onde eu te conheço? – ele pergunta, e me lembro do sonho, foi assim que começou. Não vou responder “lá de dentro!”. Isso é a vida real.
- Sou colega de sua noiva, Joane. – respondo, como se ele tivesse outras 12 noivas...
- Sim, te vi algumas vezes quando ia buscar ela pro almoço. Você namora a Lia, não é?
- Não! – grito. – Quer dizer, não, eu acho que não... Não sei responder! – “E não quero”
- Entendo como é... Estão naquela entre namoro e amizade. Foi assim comigo e Joane. Mas eu sabia, na primeira vez que a vi, que seria seu marido. – ele disse, com um brilho nos olhos que fez meu coração parar, e senti vontade de pular dali mesmo, naquele momento.
Entro rapidamente, sem dar a mínima explicação para Donnie e procuro Lia. Ela está sentada com Robert, Vera e Fred do Telefone, que eu nem sabia que estava ali.
- Lia, eu preciso ir embora agora! Estou me sentindo muito ruim. A tontura ainda não passou...
- Tudo bem, calma, que quem vai dirigir é você, porque eu bebi – respondeu desconfiada.
- Por favor, se vocês forem agora, me levem junto. Preciso de uma carona e a Vera não quer ir embora. – diz Robert se levantando, quase implorando. Eu e Lia ficamos surpresos e vejo no rosto dela que está tramando algo.
- Claro meu querido! Deixamos você em casa sim. – responde tão educadamente que acho que um alien está dentro dela e vai pular á qualquer momento. Vera levanta e implora para que Robert fique, que se esforce, que precisa conhecer gente, se socializar, e eu o vejo ficando vermelho de vergonha, e sinto vergonha por ele, porque também já passei por isso, ainda passo, e então abro a boca...
- Cala a boca Vera! O que sabe você sobre socializar? Sempre que te vejo fora da fábrica você está com um copo na mão. Não condeno quem bebe, mas só porque você acha que encher a cara todos os dias para poder se soltar e ser mais alegre e atraente para os outros, não quer dizer que todos tenham que fazer o mesmo. Há outros meios e outros locais onde Robert possa conhecer pessoas. Locais onde ele se sinta bem. E ele não está se sentindo bem aqui. Você não sabe o que ele passa dentro dele, nem eu, nem ninguém, só ele mesmo pode saber. Então respeita isso, respeita a dor, o espaço do seu irmão. Ajudar é uma coisa, obrigar á pessoa a fazer coisas que ela não quer é outra bem diferente. Para de tentar ser psicóloga, e das bem ruins, e tenta ser a irmã dele! – falei tudo isso, sem respirar.
Saiu mais rápido do que eu esperava. Na verdade eu nem esperava que saísse algo. Noto que todos, novamente estão me olhando. Parece que a noite é minha hoje! Então vejo Donnie me olhando com um cara de orgulho. Ele levanta o copo em minha direção, como se brindasse o que eu fiz. E eu sinto uma pontada de orgulho, e vergonha de pensar no noiva da minha colega e amiga.
- Quer saber – ele diz – O rapaz tem razão! Por isso, eu vou acender agora um cigarro no MEU apartamento e fumar sentado na sala. Porque isso me faz muito bem. – e acende, e senta, e fuma.
Ninguém diz nada, apenas ficam se olhando. Não sabem se falam comigo, sobre o que eu falei pra Vera, ou sobre Donnie enfrentar Joane e os convidados e quebrar uma das normas da casa. Lia pega a mão de Robert e a minha e se dirige em direção a porta.
- Desculpe pessoal. Parece que vou ter que cuidar desses dois meninos birrentos! Desculpe Vera, Joane e todos. Acho que todos nós estamos cansados – e saímos pro corredor, puxados por Lia, que aperta o botão do elevador. Robert fica branco e parece que vai morrer, e fala em pânico que vai pelas escadas.
- Ah não! Mais um? Assim vocês me enlouquecem rapazes. Eu não vou descer 13 andares com salto alto! – diz decidida.
- Mas nós vamos, de sapato baixo mesmo. Nós nos vemos lá em baixo então. – digo, em solidariedade á Robert, e por não querer ficar encerrado em um elevador no momento. Preciso de ar, e talvez um exercício pelas escadas me ajude a voltar pra Terra, e queimar algumas calorias.
Estamos no 9º andar. Não falei nada só pensando em Donnie. Robert também não falou nada, mas parou ali, no 9º andar, e ficou me olhando, quase chorando novamente. Pergunto se ele está bem. Ele pede pra ficar sozinho um minuto, e eu abro a janela do corredor que dá para o fundo do prédio e acendo um cigarro, enquanto ele fica tomando ar na outra ponta do corredor, na janela que dá para a rua. Fumo, pensando em Donnie fumando na sala e nas pessoas sem saber o que fazer. Será que Joane vai brigar com ele? Será que ele não quer casar com uma mulher cheia de manias como ela? Mas se não, porque falou que soube que iria ser marido dela no dia em que á viu?
O cigarro terminou, antes de acender outro, me viro para perguntar a Robert se ainda vai demorar no momento zen dele, e ele não está mais ali. Droga! Subir ele não iria, pois iria ter que encarar sua irmã e todos novamente. Então ficou com vergonha de mim e Lia e resolver correr pra baixo e ir embora antes do elevador chegar. Só pode ser isso! Mas fiquei uns oito minutos parado fumando, Lia já deve estar no térreo. Desço as escadas de dois em dois degraus e encontro Lia subindo, no 3º andar.
- Robert fugiu! – eu disse.
- Não, ele está lá embaixo... – diz Lia, calmamente e olhando para o chão. – Ele pulou Frank. O Robert pulou!
* Sexta-feira. ás 22h40min, você descobre como termina essa noite cheia de tensão e surpresas.

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